1.-INTRODUÇÃO
A Compreensão entre pessoas de culturas diferentes é o resultado de uma aprendizagem, assim como a reconciliação. Na verdade a arte da convivência exige o cultivo de atitudes de abertura, o respeito pelo outro e a capacidade de assumir sua pequenez diante do universo.
Se esse percurso tem sido difícil para as sociedades, imagina-se o esforço que as corporações responsáveis pela segurança pública faz diante das mudanças que a globalização traz, incessantemente. E não é novidade considerar a notória e crescente criminalização no Brasil, assim, como atualmente, exteriorizar as funções da polícia moderna não é mais um tabu como fora outrora.
BITTNER (2003) enfatizou que as polícias adotaram um método militar para que lhes assegurassem a disciplina interna. Mesmo sabendo-se que o modelo militar, embora apresente a rigidez disciplinar, seja um método primitivo, sob o ponto de vista organizacional, preconiza-se a recompensa e o elogio, para os acertos e a punição e a condenação, para os erros.
Mas um aspecto emerge dessa discussão: Qual, na verdade, é o papel que um profissional de polícia deve desempenhar, considerando a base democrática dos direitos humanos? Muitos dirão que a simples redução nas taxas de criminalidade, como se pudesse ser tão simples, já é suficiente para que se possa marcar no campo reservado ao quesito ‘bom’, o serviço de segurança pública. Outros tanto responderão que o respeito com os cidadãos já é um grande passo para a melhoria da qualidade do trabalho policial.
Em 1998 a Secretaria de Estado da Segurança Pública de Minas Gerais demandou uma pesquisa ao Instituto Vox Populi, na qual 84% da população mineira disse sim à necessidade de participar e contribuir, de alguma forma, para a melhoria da segurança pública do estado de Minas Gerais, muito embora, desse percentual 45% da população não acreditasse que a polícia estivesse preocupada com os direitos humanos. Ratificando esse dado, quando os entrevistados foram questionados sobre a questão do abuso de poder na polícia de Minas e, o desrespeito aos cidadãos que recorrem a ela, 49% acenou positivamente à proposição.
Interessante é que a nova política de segurança pública brasileira trata vastamente de questões tais como: a) a persecução penal, partindo do diagnóstico sobre o inquérito até a investigação criminal e a apuração sumária; b) violência doméstica e de gênero; c) violência contra as minorias sociais; d) sistema penitenciário; e) violência no trânsito; f) desarmamento, porém, não há definições de linha mestra sobre o que o governo denomina de “princípios para uma nova polícia” (BRASIL. Projeto Segurança Pública para o Brasil. 2002). Na verdade, há muita nebulosidade quando o tema tratado é recursos humanos nas polícias.
É tácito que viver, ser livre, ter uma casa, participar dos movimentos políticos e sociais da comunidade e do país, ter assistência médica, educação, lazer são direitos de cada brasileiro e apenas quando são postos em prática é que existe a cidadania. Está explícito na Constituição de 1988 que todos são iguais. A constituição proíbe qualquer tipo de discriminação, seja em função do sexo, orientação sexual, idade, condições físicas e mentais, de raça, cor, origem social ou geográfica, estado civil, opções políticas, filosóficas ou religiosas. É por esse caminho que se tem tentado trilhar!
Sabe-se da dificuldade em mudar o cenário montado para a atuação da Polícia Civil, quer pelo Estado, quer pela sociedade, quer pelos próprios policiais, mas aos poucos, com paciência, essa conscientização vai acontecer. Trata-se de uma construção silenciosa e compartilhada. No que tange ao policial, tem-se que a chamada ‘administração de faltas’ emperra o bom andamento da rotina procedimental administrativa além do que, mascara a real condição organizacional das unidades policiais. O mito do ‘super homem’ com ‘super poderes’ faz com que soluções sejam encontradas das mais variadas formas no cotidiano. O rito burocrático na polícia é tão lento que nas instâncias intermediárias prefere-se a resolução dos problemas corriqueiros sem muito alarde. Infelizmente, esse procedimento faz com que as ações ocorram de modo individualizado e compartimentado. Os movimentos institucionalizados pouco, ou muito pouco espelham o dia-a-dia, com isso, o ensino proferido na Escola de Polícia, ou melhor na Academia de Polícia, é quase totalmente esquecido na lida do policial. Nota-se que há uma grande insistência no acerto das regras desse jogo porém, trata-se de desejos individualizados, não de uma política pública sistematizada nesse campo e no trato com as minorias, com as questões de gênero e da violência doméstica. No Brasil reina a política do recomeço. Luiz Eduardo Soares em entrevista ao programa Observatório da Imprensa (abril/2005) resumiu muito bem esse estilo de política ao dizer que todo ano é ano pré-eleitoral, de eleição ou de pós-eleição. Esse eterno recomeçar inviabiliza trabalhos sérios e sedimenta os vícios contidos na administração pública. Falta ao Brasil maturidade política, além do eterno medo de errar, a insistente preocupação com firulas que emperram a execução de bons projetos e preconizam a realização de megalomaníacas ações, utilizadas como estratégias para desviar os holofotes daquilo que realmente necessita ser mostrado.
2.-ORIGEM DA SEGURANÇA PÚBLICA EM MINAS GERAIS
Em Minas Gerais a segurança pública, atualmente denominada de Defesa Social, alicerça-se nos pilares das forças policiais militar e civil, do corpo de bombeiros militar e da justiça. Neste artigo abordar-se-á com maior ênfase a construção dos recursos humanos na polícia civil, porém, como à Polícia Militar compete o trabalho ostensivo e a preservação da ordem pública, observa-se então a responsabilidade de estar presente primeiro ao evento, ao local de crime. Ela também, orienta a população como forma de prevenir fatos delituosos, o que, diga-se de passagem, não é tarefa fácil.
O Estado de Minas Gerais possui área de 586.648,69 km2, o que corresponde a 11% da área total do país, com uma população de 17.866.402 e aproximados 873 municípios, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística- IBGE (2000). O quadro de policiais militares nas Alterosas é de aproximadamente 42.000. Quisera ser tão simples a distribuição geográfica desse ‘staff’ . E mesmo desconsiderando-se a verticalização hierárquica dos postos de trabalho naquela Instituição, na verdade, outros fatores estão agregados a esse cálculo tais como: distribuição demográfica da população; índice de criminalidade da região; êxodo rural; caracterização das áreas do Estado.
Não se pode dizer que haja fuga à essa regra na Polícia Civil. Com um corpo constituído por aproximados 10.200 homens e mulheres, a Civil, como é conhecida, tenta desvendar, às vezes, empiricamente – e porque não dizer, na maioritariamente – os crimes que o Código Penal Brasileiro se encarrega de identificar. Trata-se de um trabalho de pesquisa científica, no qual o método, embora que no contexto seja idêntico ao acadêmico, dependerá dos méritos da equipe que o diligenciar. Para melhor compreender o que significa esses ‘méritos da equipe’, abordar-se-á, de modo ligeiro, um pouco da formação histórica da polícia civil em Minas Gerais.
Criada no período colonial brasileiro, precisamente em 1892, compreendia a chefia de polícia, que dirigia o policiamento em todo o Estado, enquanto que o Delegado, sob seu comando administrativo, policiava o município, o subdelegado, os distritos, o Inspetor, os quarteirões. Atribuiu-se ao Chefe de Polícia o poder de nomear os Delegados e Subdelegados dentre cidadãos com qualidades necessárias ao exercício policial, probos e inteligentes. Os poli
ciais nomeados não eram considerados, como hoje são, funcionários públicos, nem percebiam qualquer remuneração pela função delegada. Na verdade, essa designação era política, um vício que mesmo nos anos 2000, impera, embora exijam-se todos os tipos de testes com terminação –lógicos, tais como: psicológicos, biológicos e sociológicos.
Tamanha era a força política que nas décadas compreendidas entre 1960 e 1980 a Polícia Civil de Minas Gerais, reproduzia, na execução, fielmente o texto contido na Carta de 1968: “manter a ordem pública a qualquer custo” , e ái de quem fugisse a essa regra. Mais difícil ainda tem sido o período de transição política. A adequação às normas estipuladas pela Nova Constituição de 1988 tem sido tarefa árdua, afinal, a Polícia Civil, internamente, ainda mantém-se sob as amarras de uma Lei Orgânica, escrita em 1969, com o seguinte texto:“Compete à Polícia Civil:(…)I – Proteção à vida e aos bens;II- preservação da ordem e da moralidade pública; III- preservação das instituições político- jurídicas; IV- apuração das infrações penais, exercício da polícia judiciária e cooperação com as autoridades judiciárias, civis e militares, em assuntos de segurança interna …” (MINAS GERAIS. Lei 5.460/69)
3.-A FORMAÇÃO DO PROFISSIONAL DE POLÍCIA
No início do século XX o estilo republicano, no Brasil, formado e estimulado pelas lutas ideológicas travadas contra o Império, foi-se esfriando gradualmente durante os primeiros trinta anos da implantação do novo regime. Então, aos poucos, após a Primeira Grande Guerra Mundial, parece que os velhos sonhos do republicanismo histórico voltavam a perturbar a mente dos republicanos quase desiludidos, a conseqüência deste estado de espírito foi o aparecimento de amplos debates e freqüentes reformas da escolarização, conforme aponta Nagle citado por PEREIRA (1988). Como as reformas eram recentes, para manter a ordem, qualquer pessoa poderia atuar como policial. O índice de analfabetismo, conforme BARBOSA (1883) era altíssimo no Brasil, portanto, a maioria dos policiais- investigadores, possuíam sequer o ensino primário em Minas Gerais.
Um grupo de estudiosos sobre a criminologia, tema muito debatido à época, fundou a Escola de Polícia em 1926. A criminologia pendia seus fundamentos doutrinários em direção à teoria de Lombroso , que afirmava ser o crime resultante de fatores orgânicos e biológicos, apoiando-se na teoria evolucionista de Darwin.. Ou seja, era o bastante para um policial ser um bom observador, desnecessário saber ler e escrever. Tateava por esse mesmo caminho, os rumos do direito penal e criminal. O tipo de identificação do criminoso através de características físicas, auxiliou sobremaneira ao ensino da tática policial em Minas Gerais. Os caracteres fenotípicos criminais eram repassados aos policiais com o objetivo de auxiliar-lhes na agilização do trabalho,e ,na captura dos chamados “meliantes” ou malandros, vadios, vagabundos.
Infelizmente entre 1926 e 1946, a escola de polícia só conseguiu formar uma única turma. O curso, embora eminentemente prático, era demasiado longo para a época, um ano, além do que, o policial, mesmo participando do curso, trabalhava nas ruas executando as chamadas “rondas policiais”. Os policiais também mantinham seus vínculos de trabalho, para a subsistência, em outras áreas profissionais (marceneiro, ajudante de obras, pedreiro), dificultando o acesso à escola, de outra forma não sobreviveriam. Ser policial era uma honra, não se remunerava para o exercício da função, (PEREIRA (1988). Outros aspectos que colaboraram para o insucesso do curso, era a não obrigatoriedade de freqüência e o analfabetismo, que impossibilitava o registro das informações repassadas pela Escola.
Somente no ano de 1947, após a participação de Minas na Primeira Conferência Pan-americana de Criminologia, realizada nas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo, consolidou-se, de modo legal, a escola de polícia. Era preciso elevar o nível de escolaridade do policial civil e de seus dependentes. Assim, além da escola de polícia, mantiveram uma escola primária anexa. Passou-se a exigir exames de admissão policial compostos por testes escritos, de capacidade física e investigação social do candidato, sem contudo, exigir-se nível de escolaridade como base para seleção. Na tentativa de agregar mais conhecimentos ao currículo do policial civil, a Escola oferecia cursos livres, realizou seminários, congressos, além de intercâmbio entre policiais dos Estados de Minas Gerais , São Paulo e até entre policiais dos Estados Unidos da América.
Mas foi nos anos de 1970 passou-se a exigir que o policial tivesse no mínimo o nível básico de escolaridade. Atualmente, o nível médio de ensino escolar é a base para se ingressar na carreira policial civil. Porém, todo o avanço desses trinta e cinco anos, não impede que mesmo o policial mais experiente, que encare profissionalmente seus trabalhos da melhor maneira possível, na maioria das vezes, aja como se fosse independente, e que atribua à unidade policial, apenas o produto de seu trabalho e que se utilize do fato de ser membro da polícia apenas como uma base para suas atividades.
3.- QUEM É O PROFISSIONAL QUE ATUA NA POLÍCIA
Como bem identifica BITTNER (2000), a polícia é constituída por funcionários, policiais, profissionais, não importando como sejam chamados, responsáveis por desempenhar uma diversidade de papéis, para a execução de um trabalho, por vezes extraordinário, difícil e variado, que envolve inúmeras decisões, o que possibilita erros que por sua vez, podem causar perda, ferimento, desastre e ruína. Mas errar segundo PACHECO (2005) “no duplo sentido da palavra: quer se trate de vaguear por caminhos incertos, quer signifique o desacertar, que fique a intenção e o reconhecimento de que ‘errare humanum est’. “ (PACHECO: 2005) E embora, hoje exista um instrumento técnico para seleção, ou seja, o concurso público, as polícias recrutam utilizando-se do mesmo perfil policial norte-americano da década de 1960. Busca-se então, selecionar pessoas com inteligência mediana, que tenham aspirações de média para baixa e, com nenhuma preparação anterior para esse tipo de trabalho. Certo é que, em todos os levantamentos de expectativas efetuados pela Divisão Psicopedagógica, da Academia de Polícia Civil de Minas Gerais, desde o ano de 1988, nota-se que os policiais entrevistados, acreditam que para ser um bom policial, antes de tudo, é preciso, ter vocação.
Na verdade, para se ter vocação é necessário gostar do que se faz. É obter reconhecimento pela capacidade de realizar o impossível, a qualquer tempo. No conceito de vocação encontra-se implícito o desejo de se fazer algo, de bom ou de ruim, esperando-se uma recompensa subjetiva. Mas não é, verdadeiramente, o que ocorre na polícia civil. Gradativamente, desde os anos de 1976, quando se iniciou a seleção por intermédio de exames físicos, biomédicos e psicotécnicos, na tentativa de melhorar o nível intelectual dos policiais, reduziu-se o índice vocacional do profissional de polícia. Os exames psicotécnicos diferem-se dos exames vocacionais. Na Polícia Civil o psicotécnico deve indicar se o sujeito está apto ou não para, em conjunto com as análises dos resultados biomédico e físico, executar a profissão, dentro dos padrões profissiográficos estabelecidos pela instituição. O grande problema é que no exercício da profissão inexiste o acompanhamento e a avaliação se o sujeito que fora selecionado, mantém o perfil necessário para o exercício da profissão.
E aí, diante dessa realidade, inutilizando-se, embora que tecnicamente do termo vocação, o perfil do sujeito que busca seguir a carreira policial, segue a seguinte lógica, considerando-se como fonte de dados os concursos públicos e cursos de formação policial realizados a partir de
1988, em Minas Gerais :
· Escolaridade está acima do que solicitada no edital.
· Dos concursados, 40% está de passagem e esperam serem chamados para outros concursos.
· Muitos, cerca de 60% nem se quer pensam em ser polícia, Principalmente os oriundos dos cursos de Direito.
· Mesmo estando no edital a informação de que o concurso será para o Interior do Estado, a média de 40% pretende situar-se na capital ou mesmo, na região metropolitana.
· Dos interessados às carreiras de Perito Criminal e Médico Legista, cerca de 70% acreditam que o tipo de trabalho a ser realizado vincula-se mais à pesquisa, que ao trabalho ‘in loco’. Ao iniciarem o curso de formação policial, muitos se desiludem, principalmente os profissionais que advém das áreas do conhecimento humano, como os psicólogos, pedagogos, sociólogos, entre outros.
Os efeitos dessa sintomatologia refletem-se nos editais dos concursos de 1993, quando, aproveitando-se da reforma administrativa do Governo Estadual, conseguiu-se elevar o nível de escolaridade para algumas carreiras da polícia civil, outrora fundamental, para médio e, os de nível médio para superior.
Mas é bom observar um outro aspecto que influencia na articulação do profissional da polícia civil: o seu vínculo tangencial ao funcionalismo público do estado. Além de ser regido por uma lei interna, conhecida como Lei Orgânica, ele sofre influência da lei do funcionalismo público, o que coaduna para a instabilidade de identificação vocacional no cotidiano profissional.
Esse sujeito que passou por todas as etapas para alçar uma carreira policial, submete-se então ao chamado curso de formação policial, que por influência política, pode durar de 03 a 09 meses, com carga horária de no mínimo 720 (setecentos e vinte) horas-aulas.
4.-DE ONDE VEM O MEDO
Depois desse período de aclimatação esse profissional é designado e, legalmente empossado, passando-se ao ato da adaptação. E, conforme já mencionado por BITNER (2000), é ali, no calor das ações que esse sujeito, sem um acompanhamento adequado, embora tenha passado pelo curso de formação policial, não vocacionado, aprende que o corporativismo é necessário para a sobrevivência.
Em muitos casos, os aspectos mais apreciados da ocupação escolhida por eles é o espírito de camaradagem. Mas com o passar do tempo, na profissão, esse fator que liga os membros da polícia, também os segrega da sociedade. A observação de BITNER (2000) neste caso, mais uma vez é pertinente, quando diz que “a despeito do fato de a lealdade fraternal da polícia não ser o que parece ser ao observador ingênuo (que os considera felizes, como uma grande família), a verdade é que os policiais têm que trabalhar com homens em que ele possam confiar.” O perigo nessa relação é que o silêncio, na maioria dos casos, transforma-se numa forma de manter-se na ‘tribo’ que se escolheu ou foi escolhido para o percurso profissional. Ou seja, são criados grupos e sub-grupos, verdades e ritualísticas, que embora submetam-se à ritualística maior, da polícia, tem suas regras e normas, nas quais o silêncio seja o maior teste para se provar, ser confiável. Aliado ao fator confiança está o despreparo do policial em atuar na diversidade de funções que executa e que o faz baixar a estima. É comum ouvir policiais dizerem que a Delegacia de Polícia é o último local em que a sociedade bate à porta. Ali pode-se encontrar um policial desempenhando, ainda que `ad hoc`, papéis diversos, de padre, juiz de paz, advogado, socorrista, tradutor, psicólogo, orientador, pacificador, e dentre todos, talvez o último, de polícia.
Num certo sentido, nota-se que os policiais aprendem a necessidade de serem empreendedores individuais no palco da ação, mesmo que dependam um do outro. A solidariedade não leva à cooperação lateral eficaz entre os órgãos, departamentos ou mesmo, entre policiais, individuais. Por conta disso, o trabalho de polícia torna-se um ‘bico’. Em síntese, trabalho de polícia não oferece condições de segurança para o profissional de segurança, porque ele, na sua lida se excluiu da sociedade.
Para PACHECO (2005 a) “o sentido lúdico da vida é o modo mais sério de estar vivo. Quando a cupidez humana pretender transformar os teus sonhos em pesadelos, sê corajoso. A coragem não é a ausência do medo”. Mas não é fácil ter coragem de sentir medo nessa profissão, que transforma o sujeito em não-sujeito, que o exclui do todo e o encerra no nada. Desse medo, advém-lhes patologias múltiplas primariamente ungidas pela depressão, um problema de saúde psíquica. Em um dos raros ensaios sobre os recursos humanos da polícia civil no Brasil, MINAYO (2003) dividiu os policiais cariocas em três setores, administrativos, os operacionais e os de perícia com o objetivo de, através da investigação científico-acadêmica, auxiliar na promoção da saúde desse grupo de profissionais.
Aqui, o que se pretende é tentar compreender o vazio em que se operacionaliza a lida do policial, na qual o sujeito aceita o papel que lhe confere o estatuto, um faz de tudo, mas que sem um diretor para auxiliar-lhe na condução da peça, executa o ‘script’ da maneira que lhe convier. Fornecem-lhe o cinto de mil e uma utilidades sonegando-lhe prazos de validade e métodos claros de avaliação e de desempenho de atividades. Cinco anos mais tarde a auto-estima, na maioria dos casos, estará baixa. A diversidade de papéis que ele desempenha o torna um especialista, devalorizado porque o seu fazer não se convalida com um instrumento científico oriundo de uma universidade, conforme preceitua a Lei de Diretrizes e Bases, que se tenta resgatar esse sujeito.
Nesses últimos dez anos, uma média de 1.850 (mil e oitocentos e cinqüenta) alunos passaram pela Academia de Polícia Civil para treinamento. Ao serem questionados sobre o que a polícia precisa para melhorar, 80% desse total colocou no rol de prioridades armas, viaturas, coletes, local adequado para o trabalho, algemas, munição, salários. Mas dos 20% que inseriram nessa lista o ser humano, 15% só se lembrou que a instituição é constituída por pessoas quando alertados sobre isso.
Subjacente nesse dado poder-se-á observar a importância que se dá ao material e ao silêncio confiável, que de tão profundo, desmaterializa o policial, transformando-o num ser desnecessário. A angústia em que se encontra o impede de manifestar-se em público, porque o fazer polícia encerra-se como já dito aqui e em MONJARDET e BITNER (2000) em múltiplas funções, sem uma rotina definida, sem uma funcionalidade clara e transparente.
5.-CONCLUSÃO
Profissão é uma atividade humana especializada que surge em razão de uma relevante necessidade social e para ela deve estar voltada com a missão de colaborar para o bem-estar coletivo. A definição de uma profissão, com os seus respectivos direitos e deveres, bem como a sua delimitação no âmbito das demais profissões, determinam pré-requisitos pessoais e técnicos para aquele que se dispõe a exercê-la, de acordo com o Código de Ocupações Brasileiras- COB (2004).
Não basta o conhecimento técnico nem tampouco o fazer profissional. Além do conhecimento teórico e da práxis profissional, é necessária a ética profissional, que significa a reflexão do saber, do saber-fazer e do porque fazer. Quem tem esta consciência, certamente conhece o seu limite e sabe que nem sempre aquilo que é possível é necessário e legítimo.
Os testes psicológicos têm sido entendidos como instrumentos auxiliares na coleta de dados, que juntamente com as demais informações organizadas pelos recursos humanos da instituição ou empresa, auxiliam na compreensão do problema, de forma a facilitar na tomada de decisões. Embora tenha sido por muito tempo rejeitado na prática profissional, os testes psicológico, médi
co e físico oferecem confiabilidade e podem, evidentemente, como já dito, fornecer bases sólidas quanto ao acompanhamento do sujeito na profissão de polícia, não podendo encerrarem-se em meros instrumentos de eliminação da inaptidão dos quadros da polícia. Talvez aí esteja inserido, implicitamente, a rejeição, quando se permite, por força da lei, utilizar-se como instrumentos eliminatórios o psicotécnico, o biomédico e o físico, sem uma mesma pujança legal para o fortalecimento dos recursos humanos nessa instituição.
Falta a preparação adequada para se liderar e para se administrar. Ao delegado compete presidir com exclusividade as atividades de polícia judiciária, dirigir e coordenar as atividades de repressão às infrações penais para restabelecer a ordem e segurança individual e coletiva. Administram além das atividades de interesse da segurança pública, os recursos humanos e materiais. Na soma de todos os verbos contidos nas vinte e nove competências pessoais (Código das Ocupações Brasileiras, 2004) para se galgar a carreira de Delegado de Polícia, tem-se o verbo administrar, independentemente se em inicial ou final de carreira. Porém, vê-se pouco ou quase nada de administração e de qualidade de vida, nos conteúdos programáticos dos cursos de formação policial e nos demais, ofertados às diversas carreiras, no trilhar do percurso profissional.
Para se ter uma idéia, na Polícia Civil de Minas Gerais, 20% do conteúdo ministrado aos policiais envolvem as mais variadas formas do direito, 74% as práticas policiais como, perícias diversas, treinamento de ação policial, táticas operacionais, investigação policial, tiro, ou seja, a operacionalidade do fazer polícia. Os 6% restantes são destinados à área mais técnica e de pouco valor para os policiais, o que eles chamam de administrativo, assim distribuídos: 3,91% para administração da delegacia e 2,08% destinados à qualidade de vida e recursos humanos.
Pode, evidentemente haver uma variação conteudista, de acordo com as carreiras, mas o percentual reservado à administração e recursos humanos, mantém-se no intervalo de 1% a 6%, desde 1976. Aí reside o medo que é repassado aos subordinados, qualquer que seja o nível de escolaridade. O medo do fracasso, do erro, da pena, da exclusão, do não saber fazer, do não saber liderar.
E perdoem-nos os mais exigentes, se na conclusão, ousadamente fazemos uma citação, mas administrar é, antes de tudo, saber educar, policiar é antes de tudo professar o cuidado com o outro, em contudo, minar os limites impostos pelo Outro.
Mas insisto até à exaustão e para além da saturação. Até que se abram os olhos dos que não querem ver. Algum dia, a decência e o bom-senso hão-de assentar arraiais nas escolas, relegando o administrativo para uma função supletiva e complementar do pedagógico.
Enquanto houver directores que fecham os olhos a imoralidades e ilegalidades, mas que estão sempre disponíveis para complicar a vida de quem arrisca fazer diferente, repetir-me-ei, serei redundante. Enquanto houver professores que despendem mais tempo e energia a defenderem-se das armadilhas semeadas pela administração, do que a desenvolver o seu projecto, serei gongórico…
É paradoxal que aqueles a quem compete assegurar condições para um bom exercício da função de educar sejam os que maiores dificuldades colocam aos professores e às escolas que querem desenvolver verdadeiros projectos.
Consegues entender, Marcos? Nem eu! Mas continuarei repetindo o que venho dizendo, até que os peixes me escutem. Que me chamem redundante, que eu não me importo. ” PACHECO (2005 b)
Não se busca ‘culpados’ para o problema da auto-estima na polícia. Busca-se soluções, que de certa forma impactam na educação do profissional que milita na segurança pública, e certamente, permitirão fazer com que sintam parte do todo.
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7.- LOS AUTORES
Patrícia Luíza Costa:
Bacharel em Química pela UFMG. Especialista em Fonética da Língua Inglesa pela UEMG. Mestre em Administração pela FGV. Doutora em Química Analítica pela UNICAMP. Detetive da Polícia Civil de Minas Gerais. Atua na Divisão Psicopedagógica da Academia de Polícia Civil de Minas Gerais. Coordenadora do Programa de Acompanhamento Psicossocial da Polícia Civil- PAPS. Membro fundador da Sociedade Transdisciplinar de Criminologia- SOTRAC.
Paulo Guilherme Santos Chaves:
Bacharel em Fisioterapia pela Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais. Especialista em Geriatria e Gerontologia pela Universidade Federal de Minas Gerais. Responsável pelo projeto de Qualidade de Vida do Centro de Apoio e Convivência- CAC, em Belo Horizonte. Responsável técnico-científico pelo Curso de Gerontologia aplicada ao Agente Policial Civil realizado pela Academia de Polícia Civil de Minas Gerais, em parceria com a Secretaria Nacional de Segurança Pública- SENASP e o Hospital Espírita André Luiz- HEAL. Responsável pelo Projeto de Violência Doméstica contra o Idoso, realizado na Delegacia Especializada de Proteção ao Idoso- DEPI, de Belo Horizonte, Minas Gerais. Coordenador do Programa de Acompanhamento Psicossocial da Polícia Civil- PAPS. Idealizador, fundador e presidente da Sociedade Transdisciplinar de Criminologia- SOTRAC.
Tánia Maria Coutinho Ricas:
Bacharel em Psicologia pela Newton Paiva.
Psicanalista. Coordenadora do Programa de Acompanhamento Psicossocial da Polícia Civil- PAPS. Membro fundador da Sociedade Transdisciplinar de Criminologia- SOTRAC.