INTRODUÇÃO[1]
A realização dos ideais do direito e da Justiça assenta-se na realidade social e no modus operandi de seus arquitetos jurídicos. Por isso, colhemos, mais especificamente da órbita Penal, a idéia de que os seus principais orbitais (Código de Processo Penal e o Código Penal) estão estruturados e esmiuçados no topo da pirâmide hierárquica das normas, delineadas dentro do arcabouço jurídico constitucional e da legislação de direito internacional (Tratados, Convenções, Resoluções etc) atinentes aos direitos humanos dos cidadãos[2], diretamente inter-relacionada com as normas infraconstitucionais (Lei de Execuções Penais, Contravenções Penais, Tóxicos, Comercial, Tributário, Ambiental etc).
Seguindo este raciocínio, identificamos que o Direito Penal é um trabalho minucioso de resgate da dignidade da pessoa humana através do embate entre o jus puniendi x jus libertatis. Jungindo-se ao munus judicante os cidadãos que se adequarem a norma proibitiva (penal), estejam elas dentro ou fora da sua circunscrição (crimes falimentares, ambientais, tributários, previdenciários etc) penal estrito senso. Coroando-se, com isso, a devida substituição da vingança particular (privada) que sempre permeou a história do pensamento jurídico[3] para a criação de um tercius (Estado/Juiz) no fito da solução dos conflitos e da pacificação social, fazendo desta sua realidade concreta.
Por esse giro, o Direito Penal têm per se um caráter de articulação da pretensão punitiva, uma vez que incumbe ao magistrado sopesar sobre a formação da culpa do acusado. Daí se releva o papel do órgão da acusação na busca de provas que sustentem sua pretensão original (denúncia), e, ao revés, à defesa incumbirá a descaracterização de toda a imputação criminal ou a mitigação dos prejuízos. Para isso, as fases processuais são manejadas, publicizadas e o conhecimento posto à prova na persecutio criminis, difundindo-se a idéia de que a Justiça deva garantir a premissa maior da liberdade particular, delineando limites para a segurança do indivíduo na realização de suas vontades. De acordo com essa reflexão, sobressaem da doutrina alienígena os ensinamentos do mestre Hegel[4], in verbis:
O direito é, então algo desconhecido e reconhecido, e querido universalmente, e adquire sua validade e realidade objetiva pela mediação desse saber e desse querer. […] o membro da sociedade civil tem o direito de assistir ao julgamento e o dever de se apresentar perante o tribunal e de só perante o tribunal reivindicar o reconhecimento de um direito contestado. […] Nas leis e na administração da justiça, há essencialmente um aspecto contingente, e nisso radica que a lei seja uma determinação geral que deve ser aplicada aos casos individuais.
Nesse diapasão, não podemos nos esquecer da exposição dos principais clientes do Processo Penal (pessoas pouco abastadas), que traduzem nos autos a grande dificuldade de acesso à justiça[5] e, conseqüentemente, nos conduz ao campo da escassez de defesa.
Essa formula se amolda à situação corriqueira da falta do necessário ao próprio sustento, que de forma sensível informa a inexistência de pecúnia disponível para a constituição de banca advocatícia. Tal idéia reforça a sina de muitos cidadãos relegados a aguardar na fila os préstimos da valorosa Defensoria Pública, que conquistou sua independência e vista para um futuro de igualdade jurídica por meio da reforma do Poder Judiciário, introduzida pela E.C. nº 45.
Dentro dessa perspectiva podemos destacar inúmeros trabalhos atinentes ao acesso à justiça que desembocam na grande ferida social da desproporção de renda no país, reproduzindo o chamado inchaço social nas áreas circundantes (favelas) das grandes cidades. E, assistindo a esse prisma, podemos identificar o choque entre – justiça social x igualdade jurídica – para o resplendor social.
Por essa disputa, merece aplausos a esmerada explanação de Boaventura de Souza Santos quando demonstra os critérios de desigualdade no acesso a justiça, os quais podem ser classificados segundo a condição econômica, social e cultural dos agentes/clientes nos autos. Nesse turno e, pela imprescindibilidade do assunto, registro a delineação do autor quanto ao fator econômico[6]:
Muito em geral pode dizer-se que os resultados desta investigação permitiram concluir que eram de três tipos esses obstáculos: econômicos, sociais e culturais. Quanto aos obstáculos econômicos, verificou-se que, nas sociedades capitalistas em geral, os custos da litigação eram muito elevados e que a relação entre o valor da causa e o custo da sua litigação aumentava à medida que baixava o valor da causa. […] É que são eles fundamentalmente os protagonistas e os interessados nas ações de menor valor e é nessas ações que a justiça é proporcionalmente mais cara, o que configura um fenômeno da dupla vitimação das classes populares face à administração da justiça. (grifo nosso)
Complementando as correlações acima, Sérgio Adorno dimana que a satisfação social não está limitada na ampliação do número de servidores da Justiça, mas sim em um trabalho sacramental de conscientização sobre o significado do direito, sua interpretação e aplicação diante e perante a sociedade, maior interessado na estabilidade social por meio da qual a pacificação é a solução. Melhor dizendo, “a problemática do acesso das classes populares à justiça não se resolve apenas com a ampliação física dos serviços da justiça, mas exige, progressivamente, alterações no modo de encarar a função judiciária e o próprio direito”.[7] (grifo nosso)
Nesse diapasão, os estudos sobre o perfil dos condenados e absolvidos em processos criminais no Município de São Paulo entre 1984/1988 revelam que a maior dificuldade ou desconfiança deles advinha da burocracia e do excesso de formalismo dos códigos, concebendo de forma direta que “a consciência é o reflexo no indivíduo das sanções da sociedade”[8]. Dentre elas, “as sanções negativas organizadas são notadamente procedimentos definidos e reconhecidos para pessoas cuja conduta é passível de desaprovação social”[9], como bem analisa o mestre Radcliffe-Brown[10]:
Num exame das funções das sanções sociais o mais importante não são os efeitos da sanção sobre a pessoa a quem se aplica, mas os efeitos gerais dentro da comunidade que aplica as sanções. […] A função da sanção é restaurar a euforia social ao oferecer expressão coletiva definida aos sentimentos que foram afetadas pelo feito, […] As sanções são assim de primordial importância para a sociologia, na medida em que são reações por parte da comunidade a fatos que afetem sua integração. (grifo nosso)
Por esta análise, exsurge alguns questionamentos substanciais – qual a verdadeira fonte da força do direito? Estaríamos diante de um impasse sobre a utilização da sanção como única e eficiente forma de sujeição do particular ao regramento legal?
A aplicação da norma incumbe ao juiz no veredicto da Lei. E, principalmente, dela abstrai sua historicização frente aos discursos jurídicos em confronto para a proclamação do direito, inibindo-se qualquer partilha desigual pela situação dos agentes envolvidos.
Analisando o campo das práxis e dos discursos jurídicos trazidos por Pierre Bourdieu[11], poderemos perceber que essas estruturas são regidas pelo monopólio de dizer o que é de direito, deduzida na interpretação e na equidade do dec
isum. O que fornece ao magistrado a prerrogativa de sempre aplicar o direito, independentemente que haja lacunas; e, nesse caso, a lei lhe direciona a análise processual de acordo com a analogia, os costumes, os princípios gerais do direito (art. 4º da LICC) bem como por meio da equidade.
Pela adequação setorial grafada, analisamos singelamente que o Processo Penal segue um norte (marcha) estabelecido por Lei (Código de Processo Penal) que esmiúça o amoldamento territorial, temporal, as particularidades dos prazos, etc. Por isso, a constituição dirigente brasileira alçou como princípio essencial desse processo a inafastabilidade do Poder Judiciário para manejar de forma peremptória o devido processo legal, assegurando a qualquer cidadão o acesso indiscriminado à justiça de forma voluntária (Processo Civil) ou coercitiva (Processo Penal).
Por este último, especificamente, assevero que suas características processuais identificam o seu ajustamento a indisponibilidade formal dos procedimentos legais, os quais devem ser colhidos e “fiscalizados” pelo magistrado a fim de que possa ter o conjunto necessário para a formação da culpa. Ou melhor, sua marcha segue piamente o princípio da indisponibilidade, constituindo-se, dessa forma, como garantia a efetiva solução dos conflitos ao circunscrever as delimitações temporais da norma substantiva (Código Penal), ou seja, prazos prescricionais. Tendo em vista esse fator, os fatos instruídos no processo criminal introduzem a noção de equilíbrio entre a satisfação social, fornecida pela imposição de um procedimento processual, e o respeito à dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos da Carta Magna de 1988 (art. 1º, inciso III).
Vislumbrando esse perímetro, entendemos por bem, em uma apertada síntese, discorrer sobre o tema os flagelos do tempo e a pena percutindo o surgimento do direito penal, as origens da pena e os seus ciclos no curso da História, o papel da sociologia para identificar as relações de poder e o poder de castigar, o fenômeno da pena, a medida da punição, as escolas penais e a finalidade da pena.
I – OS FLAGELOS DO TEMPO E A PENA
RESUMO: Demonstraremos com o presente trabalho as principais facetas do tempo sobre a pena de prisão. Temos como norte o surgimento do direito penal, as origens da pena e os seus ciclos no curso da História, o papel da sociologia para identificar as relações de poder e o poder de castigar, o fenômeno da pena, a medida da punição, as escolas penais e a finalidade da pena. Enfim, uma síntese do fenômeno da pena nas relações sociais do transgressor da norma com o seu novo meio e a sociedade que o adorna.
I.I) Reflexões históricas sobre o Direito Penal
Partindo da era mais primitiva da história humana, temos registros arqueológicos de que o homem, nos primeiros estágios da sua existência, passou a desenvolver utensílios rudimentares (lanças, pontas, lascas de rochas etc.) para auxiliar na caça, na pesca, e posteriormente no cultivo. Embora não haja elementos suficientes para afirmarmos a presença das práticas penais, a idéia de que o homem tem três instintos fundamentais: a conservação individual, reprodução da espécie e a defesa-ofensa, é imperiosa e intertemporal. É curial, portanto, que o homem com o passar dos anos buscou novas maneiras de sobrevivência às intempéries do mundo; daí então, as diferentes tribos que habitavam o globo passaram a se interagir e até mesmo a digladiar pelos melhores locais de repouso e de desfrute.
Nesse clima de entrosamento as tribos nômades inevitavelmente passaram a disputar as melhores áreas conhecidas, iniciando-se o período da vingança privada ou defensiva. Nesta época não havia uma autoridade central, a sociedade não era suficientemente organizada, a norma do grupo era determinada pelo temor reverencial mágico (tabu) ou religioso[12], por isso os delitos cometidos eram vingados pelos ofendidos no corpus do infrator ou em algum dos seus parentes (vindicta de sangue); o que conduzia, por vezes, ao excesso na reparação do crime, especialmente por dar ensejo a novas disputas que se propagavam em escala linear. “Se um crime ocorre, a sanção recai sobre o agente com o ímpeto das forças primárias que a desencadeiam”[13] Depreende-se que para o ofendido “não era apenas um direito, mas uma imposição moral primitiva de conservação da espécie”.[14] Esta vingança privada tomou tamanhas proporções que a ofensa à coletividade (clã, grupo, família) era vingada pelo próprio grupo ou pelo seu representante, principalmente para dirimir pendengas de guerra (traição, deserção etc). Tais fatores podem ser aferidos no Código de Hammurabi (cerca de 1690 a.C.) cujas normatizações descrevem a imputação criminal de forma séria e com castigos severos. Para exemplificar, citamos os artigos: 01º – Se alguém acusou um homem, imputando-lhe um homicídio, mas se ele não pôde convencê-lo disso, o acusador será morto e 195º – Se um filho agrediu o seu pai, ser-lhe-á cortada à mão por altura do pulso.
“O limiar de superação do período vingativo foi a criação da composição e da Lei de Talião”[15] que, ao contrário da visão bárbara ocidental, representou um avanço ao trazer filigranas de razoabilidade, de medidas na reação vingativa. Já a composição é o verdadeiro divisor do período selvático do homem, haja vista ter introduzido o instituto jurídico da indenização (reparação da ofensa), por meio da qual o ofendido passou a receber em gado, armas, utensílios domésticos, vestuário, entre outros, impedindo a perpetuação ad eternum das reações vingativas[16]. Assim, quando o ato contrário à norma puder ser reparado com uma sanção pecuniária, prescinde-se da punição corporal.
Na Grécia, as suas leis penais[17] reproduziram o direito primitivo da vingança privada ou defensiva, cotejando a premissa de que o crime foi imposto pelo destino (anankè) como nos casos de Édipo (parricida – homicídio do homem livre) e de Oreste (matricida – homicídio da mulher livre) entregues à fúria de Erínio. Com isso, dimana-se o fortalecimento dos poderes do Estado, limitando por um lado o poder sacerdotal (vindo do Oriente) e por outro lado restringe os excessos das reações individuais, estabelecendo claramente a distinção fundamental entre crimes públicos e crimes privados. Inicia também o conceito da “justiça penal como função soberana do Estado”.[18] “A pena é, então, uma fatalidade que decorre do crime, deixando claro seu caráter sacral, sobretudo nos mitos e nas obras trágicas de Ésquilo”[19].
Em Roma após a superação da vindicta, da Lei de Talião e da composição, houve definitivamente “a separação dos delitos em públicos”[20] e privados, todos perseguidos e punidos pelos representantes do Estado ou no interesse e por ação dos ofendidos, tendo como finalidade à preservação da ordem pública ou “pública disciplina”.
O limiar da civilização helênica trouxe consigo a idéia de Estado e o aparecimento das religiões, tendo como matriz a premência na aplicação das penalidades, deixando-se de lado a imposição das penas por particulares para conferir lastro a intervenção de um terceiro (juiz ou pretor) entre e acima das partes, com o fito na pacificação social e na manutenção do status quo ante. Essa transformação pôs fim aos sacrifícios particulares, embora eles ainda existissem de forma eminentemente vingativa, tendo o império da lei como rainha de todas as coisas (Pindaro, séc. V a.C.). Por essa nota, transmudou-se a idéia de pena significando morte, pelo menos entre os cidadãos (nada mudou em relação aos escravos e as mulheres), uma vez que o corpo do homem deixou de ser apenado pelas suas faltas
civis, munindo-se o credor da possibilidade de subtração de todo o acervo patrimonial do devedor.
Avançando no tempo, o período da Idade Média é representado pela junção do direito germânico e do direito canônico ou eclesiástico. Aquele extinguiu a premissa religiosa primitiva, dando ao Estado o munus de senhor do Direito, permanecendo os alicerces da vindicta privada. Além disso, “o dano do crime tem uma relevância maior do que entre os romanos, por ferir uma norma da sociedade e não do grupo social”.[21] Sua característica mais importante foi a progressiva prevalência da autoridade do Estado para reprimir os delitos e os excessos privados. De outro lado, o direito canônico traz o espírito do cristianismo (“sermão da montanha”), opôs-se piamente a vindicta, dando lugar “ao perdão do que ao ódio; estabeleceu a distinção entre pecado e crime e impôs à ao crime um excessivo espírito de expiação e penitência”.[22] A Idade Média, portanto, qualifica-se nas premissas celestiais, e do outro lado, as atrocidades produzidas pelos Tribunais de Inquisição, no qual milhares dos epítetos hereges foram mortos em nome da fé, ao arrepio do mínimo de veracidade.
De outra maneira, com o nascimento da Era Moderna e os ideais libertários do Iluminismo, das Revoluções Burguesas, da Declaração dos Direitos do Homem, institui-se a proteção dos direitos da pessoa humana de primeira geração (direitos individuais) em vista da crescente industrialização, o que tornou arbitrária a pena de morte em muitos países. Isso decorre das necessidades do progresso – mão-de-obra barata –, motivo pelo qual se legitimou a pena de prisão (ao contrário da pena de morte) como a melhor solução ou contra-prestação à sociedade para correção do delito.
Após esta célere construção histórica do direito penal podemos dividí-la em quatro fases[23]: “a primeira denominada de vingança privada; a segunda denominada de teológico-político da vingança divina, pública e de intimidação; a terceira dita humanitária; a quarta chamada contemporânea, penitenciária e científica”.[24]. Estas duas últimas compõem o acervo das escolas penais (da clássica a moderna), as quais serão lançadas mais adiante.
Após analisar as informações sobre o desenvolvimento histórico do Direito Penal vislumbramos que para o pensamento humano o delito não se restringe a um típico ato anti-social, mas também se constitui em uma ofensa ao sentido de justiça; nosso comportamento diante dele não é um simples juízo de inconveniência, mas sim um juízo de valor. E é assim que, “da primitiva vingança (destituída de base moral) se chega a um direito orientado num rumo ético”[25], i.e., os valores essencialmente particulares de lavar as mãos com a imposição de um dano físico ao transgressor foram transferidos para um particular, eleito pelo Estado, alheio teoricamente à carga valorativa dos envolvidos, cujo juízo de aferição será fulcrado nos valores do grupo social (leis, costumes e as normas éticas e morais da sociedade no momento histórico particularizado).
I.II) Dos fundamentos jurídico-sociológicos do poder de castigar
Dessa digressão percebemos que os derrotados nas antigas batalhas tribais (entre clãs, grupos e Estados) para afirmação do território, eram inicialmente chacinados, trucidados em respeito à vindicta privada. Todavia, tal vertente não repercutiu durante muito tempo, tendo em vista a que as tribos subjugadas passaram a servir como escravos, tornando-se o sustentáculo das comunidades (utensílio de produção). Já os escravos que discordavam do seu “ofício” eram submetidos ao pleno isolamento, por meio da prisão, da ofensa corporal (torturas), degredo ou ostracismo.
Nesse espeque, vendo a título de exemplificação o início da história humana, identificamos que:
…o meio supremo, e sem dúvida, o mais antigo, de controle social é a violência física. […] Nenhum Estado pode existir sem uma força policial ou equivalente em poderio armado. […] se todos os meios de coerção falharem, a violência pode ser oficial.[26]
Para enobrecer o acervo acima, pontuamos as argutas lições de Jeremias Bentham sobre o “estado selvático” até ao estado moderno, sob o prisma do poder de castigar:
No estado selvático, ou no estado da natureza, o poder de castigar reside em cada um dos indivíduos muito a sabor do seu desafogo, ou de suas forças pessoais: a medida que os povos vão se civilizando, vão alargando nas mãos do Governo uma parte do exercício deste poder; assim como todo o passo, com que as nações caminham para o seu atrasamento, e anarquia, é assinalado logo pelo esforço, que vai fazendo o povo para se apoderar deste direito. Numa sociedade política bem assombrada não conservam os indivíduos mais do que o poder, que a lei lhes não pode tirar: quero dizer, poder negar cada um os seus ofícios livres a quem o maltrata. A autoridade doméstica, a dos pais, por exemplo, que noutro tempo era tão larga, pouco a pouco se foi estreitando até chegar ao estado em que a vemos, de estar reduzida a simples penas chamadas correcionais. Nos países, em que ainda se demora a escravidão, o maior mal do Estado consiste neste direito de castigar, que os Senhores não querem largar: direito, que é tão dificultoso, por não dizer impossível, encerrar nos seus justos limites.[27]
Na mesma direção, podemos enumerar que a prisão tornou-se sinônimo de sacrifício, castigo, penumbra, desprezo e reprovação do grupo social com o indivíduo represado pelo descumprimento das normas e do papel social que lhe fora imposto. Tal assertiva decorre da máxima de que somos aquilo que os outros pensam que somos e vivemos para manter aquilo que querem que sejamos, isto é, as pessoas enxergam o papel social do outro nunca a nossa pretensão, cabendo ao estranho a pecha de bizarro, diferente, louco, enfim, alheio ao grupo social do qual fatalmente será excluído. É patente que a pessoa age em sociedade dentro de sistemas cuidadosamente definidos de poder e prestígio. “E depois que apreende sua localização social, passa também, a saber, que não pode fazer muita coisa para mudar a situação”.[28]
Dentro deste parâmetro devem ser enaltecidos os estudos de Robert Wright[29] em macacos para identificar “a relação de poder e hierarquia existente no grupo” (comunidade, clã, conglomerado, reunião etc). Tal relação decorre da maximização dos interesses da comunidade na incessante disputa de poder sobre as fêmeas, impondo os bolsões periféricos aos demais machos excluídos. Assim, o dominador cumpre o seu papel social de líder, determinando leis gerais de costume para manutenção do status de macho procriador, afastando, enquanto puder, os outros machos do seu feixe circular. Por isso, caso o macaco dominador perca a disputa, se viver, “será degredado do centro do grupo para a periferia, juntando-se aos machos mais velhos”[30] No nosso caso, depois de muitas lutas essas normas foram redigidas e transmitidas a todos os homo sapiens, diferenciando-se no modo como elas são aplicadas, sempre com a devida punição ao diferente (transgressor). Daí o porquê da rigidez do ciclo dos macacos e dos humanos, os quais somente serão quebrados por disputas, determinando-se a pena dos contendores: a morte[31] ou o degredo (afastamento do mais fraco).
Dessa descrição entendemos que no curso das relações de poder em sociedade a forma como nos portamos diante do grupo é essencial para a nossa sobrevivência, sob pena de sermos expulsos do grupo central (poder, prestígio) para a periferia. A imposição da sociedade (grupos sociais) é tamanha que po
ucos são os cidadãos capazes de acompanhar os seus anseios/normas (luxúria, consumo desenfreado, status, poder, prestígio, ostentação etc), desvelando-se para os desprestigiados a formação de cinturões ao redor desses mini-centros; denominada no curso da Revolução Industrial de vila dos operários, hoje intitulada de favelas.
Nesse elastério, colhemos dos enunciados de Peter Berger que a sanção do isolamento é uma das piores punições criadas pelo homem, por afetar intimamente a sua relação em sociedade, denegrindo-o perante seus pares e toda a sociedade:
Finalmente, uma das punições mais devastadoras à disposição de uma comunidade humana consiste em submeter um de seus membros ao opróbrio e ostracismo sistemáticos. De certa forma é irônico constatar que este é um mecanismo de controle favorito de grupos que se opõem em princípio ao uso da violência. […] Isto significa que conquanto possa continuar a trabalhar e viver na comunidade, ninguém jamais lhe dirigirá a palavra. É difícil imaginar um castigo mais cruel. Entretanto, essas são as maravilhas do pacifismo.[32]
Analisando a prisão, visualizamo-la como o local de equilíbrio do delito e da pena, cujo principal divisor d’água será o tempo. O tempo será o regulador da proporcional punição do infrator, que é a forma de retribuição à sociedade pela praticado crime. Daí então notamos que o ergástulo representa um mundo paralelo de reprovação que está alheio a carga temporal social. Cercando-se de concreto com fito na separação da suposta vergonha – para outros a escória social – dos teoricamente inocentes ou não laçados[33]. Convertendo a idéia, temos a seguinte questão: a prisão transforma-se num templo (redoma) para proteger o preso da sociedade ou a sociedade do preso? Certamente esta última assertiva é a mais difundida e propositadamente a mais aceita.
Do ponto de vista do preso, a pena temporaliza o sujeito em uma carga diária de repetição (rotina infindável nas cadeias, ócio), fruto da quebra da liberdade que a pena impõe, sem discussão dos seus termos. O preso, nesse silogismo, inevitavelmente tende a refletir sobre o futuro, porque já perdeu parte do seu passado e o presente para ele inexiste. Já o tempo, nessa escala, acaba por afetar o preso, não no tempo objetivo (reprimenda jurisdicional), mas sim no tempo subjetivo (consciência) de que os anos serão longos e a inquietude da sombra da pena, neste ambiente de segregação, será seu calvário.
Vemos claramente que o homem ciclicamente foi sendo moldado ao meio ambiente hostil, e, por conseguinte, criou o seu próprio meio social. Habitat da busca desenfreada pelo destaque (posição social), inspirada nos macacos, direcionando-se para o poder, privilégio e prestígio. Nesse interstício, a única forma de controle social praticada é a prisão, local de martírio daqueles que não souberam se delinear no feixe da norma, aplicável de duas formas concomitantes ou separadas, prisão sem muros (imposição do afastamento social – viver dentro e ao mesmo tempo fora da sociedade)[34], como resposta ao desrespeito às normas de costume ou prisão com muros caso seja descumprida uma norma legal[35]. São elas as únicas formas de distinção dos marginalizados, senão vejamos:
A prisão tornou-se praticamente o único meio de castigar os delitos, não porque se aprecie seu valor simbólico ou porque se pretenda reprimir a vontade do réu. A razão mais importante, diz, é outra: ter tomado a pena como um meio de defesa da sociedade e de seus membros; manter prisioneiro o culpado serve para impedi-lo de causar dano. E precisamente porque a prisão restou como única modalidade de pena, pretende-se justificar a pena justificando a prisão. Além desta justificativa da prisão como “medida de segurança”, também se a justifica alegando que é apenas um meio para corrigir e recuperar o delinqüente. Tratar-se-ia de um serviço que a comunidade preste àqueles membros que demonstraram com seus atos a necessidade de serem submetidos a uma terapia corretiva. Esta analogia entre o trabalho do juiz e do médico, a pena e a terapia, o delito e o sintoma de uma doença, aparece várias vezes nos diálogos de Platão.[36]
Apesar das críticas mais abalizadas de Jeremias Bentham, Beccaria, Roxin, Welzel, Ferri, entre outros, a prisão ainda é a forma mais difundida, aplicada e aperfeiçoada para a correção e persuasão dos agentes criminosos. Sendo sempre lembrada como a mão benevolente da sociedade (oportunidade de ressocialização) atribuída ao transgressor por meio da reflexão temporal nas agruras do cárcere.
I.III) O fenômeno da pena
A pena, por vezes confundida com a prisão, é tida por muitos como um dos elementos circunstanciais do Direito Penal, especialmente pela sua propagação difusa no curso da história humana. No entanto, tão somente quando o homem deixou a carnificina de lado pôde perceber a utilidade racional do cidadão como coisa, impondo sanções (penas) e conseqüentemente prisões enquanto submetidos ao seu júbilo (do particular e posteriormente do Estado).
Ultrapassada esta análise histórica do surgimento da prisão devemos nos dimensionar na sua causa objetiva – a pena. “Uma das significações da expressão pena, derivada da palavra francesa poine, significa vingança, ódio, considerada do ponto de vista da retribuição”[37]. Do mesmo modo, não podemos nos olvidar que “o conceito de pena reflete a reação da sociedade contra o criminoso, consistindo em um sofrimento que o poder social infringe a um indivíduo declarado por julgamento culpado de uma infração”.[38] Assim, “as penas legais são males, que devem recair acompanhadas de formalidades jurídicas sobre indivíduos convencidos de terem feito algum ato prejudicial”.[39]
Dessa forma, a pena acaba sendo materializada como uma medida de isolamento e de punição do infrator, por esse motivo a pena não serve para tirar, mas para procurar a liberdade. “O Direito deve castigar, não como o verdugo que goza ao ver o condenado sofrer, mas como o pai que alcança, ao procurar a dor para o seu filho, os píncaros do amor”[40]. E ainda “a sombra do Direito, que parece ser a pena, pouco a pouco, veste-se com as suaves cores da aurora”.[41]
De outra banda, as doutrinas filosóficas do direito punitivo consideram a pena como um meio de expiação do delito cometido (reação de ordem moral) ou como um meio de defesa social utilizada para refrear qualquer impulso de futura repetição de delitos semelhantes (reação de ordem utilitária).
Nesta relação, a pena per se é legitimada pelo seu caráter punitivo, sendo relevada pelo prisma da reparação e da ressocialização tão somente por aqueles que defendem as prerrogativas dos encarcerados. Analisando assim, temos que a pena é uma modalidade de retribuição social do agente criminoso, diferente da grafia da Lei de Talião do “Olho por olho e dente por dente”, que “paga” o desvirtuamento ou transgressão das normas estatais ou de conduta (costumes) por meio da pena no cárcere.
Sobre essa retribuição, a sociedade pune o agente criminoso em uma espécie de retribuição negativa, sob o parâmetro da nulificação do delito (compensação ou contra-prestação estatal), com esmero na manutenção da paz e do bem-estar social. Chancela-se, portanto, o castigo como meio de utilidade e até mesmo de necessidade da sociedade para conter seus inimigos (delinqüentes).
Por esta medida a pena é manejada para demonstrar a sociedade que a quebra da vida social harmônica, através da infração, desvela-se como uma dem
onstração de desrespeito aos demais cidadãos. Assim, a sanção deve ser reproduzida de forma exemplar, mas ao mesmo tempo comedida e equilibrada, para não desvirtuar o critério corretivo e impingir um agravo temporal.
Dentro da filosofia identificamos as propostas de Hegel para quem o que importa é que o delito deve ser eliminado, não como surgimento de um mal, mas como lesão do direito como direito, e então é preciso averiguar qual é a existência que tem o delito e como deve ser eliminado. Nos mesmos dizeres Nietzsche finaliza indagando sobre o delito: como pode o fazer sofrer ser uma reparação?
Dessa análise é visível que a pena ainda é aplicada, aos moldes de Carrara e Beccaria, como conseqüência de um mal (resposta), ou seja, a pena é um mal oriundo de um mal (segundo a teoria clássica da pena). E esse mal é essencialmente praticado com a apropriação do tempo do condenado[42], através da conjugação do tempo da pena com o tempo social do condenado.
Com isso, a pena é imposta de acordo com o tempo social, melhor dizendo, o juiz quando prolata a sentença fixará o tempo extra-muros da segregação, o que pode ser pernicioso e temerário para o escolte dos princípios constitucionais e transnacionais de proteção dos direitos humanos do homem, a começar pela pressão da mídia por penas severas, quase perpétuas; ao arrepio da razoabilidade, proporcionalidade e da devida interpretação sistemática de cada caso concreto.
I.IV) A medida da punição
Iniciamos esta dosimetria do delito com as indeléveis reflexões de Zaffaroni, citado por Ana Messuti:
O modelo penal […], desde que a vítima desaparece por efeito da expropriação do conflito pelo soberano ou pelo Estado, deixou de ser um modelo de solução de conflitos, pela supressão de uma das partes no conflito: isto explica a incrível multiplicação de teorias da pena (e conseqüentemente de teorias do direito penal) e errante peregrinação filosófica do saber penal[43]. (grifo nosso)
De forma mais aprofundada, o ato criminoso nas lições de S. Cotta dimana três medidas para a pena: “uma medida interna ao ato, pela qual se dá um atuar com certa medida, uma medida externa, pela qual se dá um atuar segundo certa medida; e a medida final, que o ato está destinado a introduzir”[44]. Complementa René Garraud duas medidas para a aplicação da pena – “o primeiro é o ponto de vista objetivo do prejuízo ou perigo social que causa o delito ou que o delito faz recear; é em seguida o ponto de vista subjetivo, do grau de temebilidade ou maledicência do delinqüente”[45].
Por esta nota, a aplicação da pena deve ser feita sem acepção da pessoa do delinqüente (sine acceptione personarum) e proporcionada à gravidade do fato, os motivos, circunstâncias, conseqüências e a culpabilidade do agente diante da norma transgredida. Aliás, o mal dos castigos é uma despesa (ônus) do Estado com a intenção de lucrar, este lucro é prevenir os crimes, como medida de utilidade geral. Melhor que isso, “se quem o comete tivesse juízo, não o cometeria; mas um castigo sem juízo seria, em vez de castigo, um novo delito. Pois bem, o juízo é a maior dificuldade que o homem encontra em seu caminho”.[46]
De Bentham, membro da Escola Clássica de Direito Penal, retiramos as seis medidas objetivas da pena, a seguir transcritas:
1º) É necessário que o mal da pena seja maior que o interesse que se pode tirar do crime, 2º) Quando a ação é de natureza que oferece uma prova concludente deve ser um costume inveterado, é necessário que a pena seja bem vigorosa para exercer não somente o proveito do delito individual – mas de todos os crimes do mesmo gênero que podemos supor terem sido cometidos pelo mesmo réu impunemente; 3º) A pena deve exceder o interesse que se tira do crime, a ponto de compensar o que lhe falta na razão de certeza e aproximação, 4º) Quando concorrem dois ou mais delitos, o mais nocivo deve ficar sujeito a uma pena mais forte, para que o réu tenha um motivo para não passar do menor, 5º) Quanto maior é o crime, tanto se pode arriscar o tema pena mais grave, em razão de se poder prevenir e 6º) Não se deve impor a mesma pena a todos os réus pelo mesmo delito; é necessário reparar nas circunstâncias que influem na sensibilidade.[47]
Com isso, identificamos a necessária adequação da norma à infração, tendo como medida a pena (sanção social) ao ofensor. Ao revés disso, questionamos se a norma aplicável (década de 40 do séc XX) ainda reflete a realidade social deste século? A resposta certamente será negativa, até porque as normas jurídicas são o reflexo da década anterior a sua implantação, haja vista a ligeira tramitação legislativa.
Malgrado os princípios gerais do direito penal, principalmente quanto aos critérios de aplicação da pena (art. 59 do CP), a resposta para a aflição do julgador e dos demais operadores do direito está na historicização da norma, como nos ensina Pierre Bourdieu[48], para a proclamação do Direito, inibindo-se qualquer partilha desigual pela situação dos agentes envolvidos. Conclui-se, por isso, que incumbe ao magistrado amoldar a norma à realidade social de seu tempo, manifesta pelo monopólio de dizer e aplicar o direito.
Nessa similitude devemos enxergar a punição não pelo caráter simbólico de castigo social, mas sim como a “solução adequada’ para as aflições sociais. Do ponto de vista econômico, a punição traz em maior medida o inchaço do Estado pelos gastos com a massa carcerária, sem falar que embora as penas sejam extremamente severas, especialmente para os crimes contra o patrimônio, ainda assim os índices de violência crescem de forma meteórica, razão pela qual a pena não pode ser profanada como a exegese da violência. Porquanto, condenamos os delinqüentes a uma servidão penal, como uma forma de indicar que seus delitos são infames. “Por acaso não se poderia fazer o mesmo trabalho de uma forma mais econômica ainda? Não existe um modo de estigmatizar sem infringir uma dor (inútil) a mais ao corpo, à família e à capacidade criadora do condenado?”[49]
De outra forma, a prisão não deve ser vista como a única forma de corrigenda dos seus membros. A balburdia é tão séria que para os crimes tributários até 2003[50], essencialmente por falta de recolhimento ou lançamento de tributo, permitia-se mesmo que o réu pagasse sua dívida com o Erário e ainda assim deveria aguardar o deslinde dos autos para saber sua pena. Melhor, a pessoa que por algum infortúnio deixar de pagar um tributo e, posteriormente venha a pagá-lo com juros e correções, era ainda penalizada na esfera criminal, podendo estar sujeita a prisão por dívida.
Por esse prisma, devemos analisar sensivelmente o tema da prisão, da pena, correlacionando-as com as justificativas do jus puniendi estatal, as quais estão descritas abaixo:
1º) A vingança – Hume, Pagano, Vecchioni, Bruckner, Raffaelli, Romano e outros – Admitiram que uma paixão avessa poderia converter-se em um direito exigível, e no direito de vingar-se; 2º) A vingança purificada – Luden – A sociedade castiga para que o indivíduo não se vingue; 3º) A represália – Doutrina idealizada pelo norte-americano Francis Lieber, que no fundo não é senão um simples disfarce da vingança; 4º) A aceitação – Sistema por meio do qual se elimina a questão, pois sustenta que, uma vez promulgada a lei que estabelece a pena, o cidadão, ao cometer o delito que sabe castigado de tal forma, se submete voluntariamente a essa pena, e
não tem razão de queixar-se dela; 5º) A convenção – Rousseau, Montesquieu, Burlamaqui, Blackstone, Vattel, Beccaria, Mably Pastoret, Brissot de Warville – Cessão à sociedade do direito privado de defesa direta; 6º) A associação – Puffendorf – A constituição da sociedade desenvolve o direito punitivo, por causa da união mesma; 7º) A reparação – Klein, Schneider, Wicker – Parte do princípio absoluto de que quem haja causado um dano, o deve reparar, de onde deduz que o delinqüente deve reparar o dano que tenha causado à sociedade; 8º) A conservação – A sociedade, ao castigar, exerce o direito que tem de ser a sua própria conservação e não pode conservar-se se não detém os demais, castigando o delinqüente. Esta doutrina tem se expressado ora com a simples fórmula da defesa social indireta (Romagnosi, Comte, Rauter, Guiliani) ou com a fórmula mais vaga da necessidade política (Feuerbach, Krug, Baver, Carmignani). É esta uma idéia perigosa, porque põe nas mãos da autoridade um arbítrio terrível; e, por outra parte, indica a razão de castigar, mas não demonstra por que a sociedade tem direito de castigar um por temor aos outros; 9º) A utilidade – Hobbes, Bentham – Este princípio se apóia sobre o falso postulado de que a utilidade (entendida no sentido de bem material) subministra o supremo princípio do bem moral e a origem adequada do direito; 10º) A correção – Roeder, Ferreira, Mazzoleni, Marquet-Vasselot – O fundamento desta doutrina se expressa dizendo que a sociedade tem direito de castigar o culpável para emendá-lo; 11º) A expiação – Kant, Henche, Pacheco – É um princípio de justiça absoluta, segundo o qual quem tenha causado um mal deve expiar sua falta sofrendo um mal; 12º) A defesa continuada – Esta fórmula foi proposta por Thiercelin como um novo princípio, mais parece um simples desenvolvimento do princípio da defesa direta.[51]
I.V) As escolas penais e a finalidade da pena[52]
A primeira linha doutrinária a tratar do direito penal foi a chamada “Escola Clássica”[53] (também chamada de jus-filosófica, critério-forense, penitenciária, idealista), criada e difundida entre os últimos anos do séc. XVIII e a primeira metade do séc. XIX, com fito nas recém-criadas idéias revolucionárias de liberdade, igualdade e fraternidade (direitos de 1ª geração), que analisavam o crime e todas suas circunstâncias como um meio compensatório ou retributivo do criminoso para a sociedade.
Seus principais precursores foram Cesare Beccaria, Francesco Carrara, Romagnosi, Pellegrino Rossi, Filangieri, Pessina etc. Há ainda registros que apontam ter principiado na Itália, Alemanha, França, reluzindo com orientação político-social em acordo com as reivindicações da época (direitos individuais). Concentram suas atenções sobre o crime e a pena como entidade jurídica abstrata, isolada tanto do homem que delinqüe e que é condenado, como do ambiente de que ele provém e a que deve voltar depois da pena. Melhor descrevem “uma admirável anatomia jurídica do delito e constroem um simétrico sistema de normas repressivas, com o fundamento único da lógica abstrata e apriorística, em que consiste precisamente o método dedutivo”.[54]
Discursavam quanto à exposição e estabelecimento da razão e os limites do direito de punir por parte do Estado, opondo-se à ferocidade das penas. Conseguem “abolir a pena capital, corporal, e infamante, proporcionando a mitigação das penas conservadas assim como reivindicando as garantias do indivíduo”.[55]
Tal perspectiva, não obstante os séculos ultrapassados, ainda é a única justificativa de muitos doutrinadores. O discurso vendido é o de que “bandido deve ir para a cadeia”, ou seja, o mal do crime deve ser equilibrado por outro mal eqüidistante, focando-se na estabilidade pública. O resultado prático dessa visão em meados do séc. XVIII foi o aumento da criminalidade e da reincidência, pois se desconhecia a realidade humana e as causas da delinqüência, não havendo, sobretudo, remédios prescritíveis. Será que algo mudou?
O próprio Carrara[56] resume bem os fundamentos da escola dispondo que:
A pena não é simples necessidade de justiça que exija a expiação do mal moral, pois só Deus tem a medida e a potestade de exigir a expiação devida, tampouco é uma mera defesa que procura o interesse dos homens as expensas dos demais; nem é fruto de um sentimento dos homens, que procuram tranqüilizar seus ânimos frente ao perigo de ofensas futuras. A pena não é senão a sanção do preceito ditado pela lei eterna, que sempre tende à conservação da humanidade e a proteção de seus direitos, que sempre procede com observância às normas de Justiça, e sempre responde ao sentimento da consciência universal.
Seu declínio ocorreu pelos seguintes motivos: “a individualização do preso como vítima da sociedade chegou ao extremo em virtude das modificações históricas e o engessamento do método dedutivo por perder de vista o criminoso”.[57]
Noutro circulo a denominada Escola Positiva (Italiana, Nova, Moderna ou Antropológica) representada por Cesare Lombroso, Jeremias Bentham, Fioretti, Enrico Ferri, entre outros, aliados a interdisciplinariedade com as Ciências Humanas e Sociais (Sociologia, Antropologia, Criminologia e Psicologia), entendiam “o crime como a concepção ou fruto da sociedade”[58], o que traz a recordação das sociedades de castas pela inexistência de progressão hierárquica. Como era de se imaginar, não precisamos ir longe para percebermos esta estrutura na sociedade brasileira, advinda do modelo capitalista, em que os sonhos e anseios dos miseráveis são postos a ferros da utopia. Em resposta a tanta diferença social, o Estado lança o seguinte slogan: “Sou brasileiro e não desisto nunca”. É a criatividade no momento do caos social!
O principal enfoque está centrado na defesa social, alicerçado no método indutivo, positivo ou científico assim como a leitura das ciências físicas e naturais (Galileu), psicológicas (Wundt) e sociais (Lombroso).
Surgiu na Itália entre 1876-1880, tendo relevância os estudos de César Lombroso sobre a vida dos delinqüentes, seus traços fisiológicos e anatômicos, com espeque na antropologia, compreendendo ainda o psicológico do delinqüente. Traz as principais causas do crime – “fatores individuais, orgânicos e psíquicos; fatores físicos e ambiente telúrico, fatores sociais e ambiente social”.[59]
Sustentam “no campo político-social a necessidade de restabelecimento do equilíbrio entre os direitos do indivíduo e os do Estado, opondo-se também contra a ilusão de que o remédio mais eficaz contra o crime era a pena”[60], tendo em vista a que a causa o delito deveria ser estudado de forma preventivo e repressivo, jamais per se. Já no “campo científico vêem o criminoso como o protagonista da ciência criminal (propondo-se o estudo do delinqüente, a maior ou menor gravidade moral, jurídica, personalidade e periculosidade adequada ao meio social),”[61] o crime, a pena e a execução nunca deve ser separada da pessoa do delinqüente, individualização da pena e a fixação do quantum indenizatório de acordo com o dano.
Posteriormente, em virtude dos constantes conflitos entre a escola clássica e a positiva foi criada a Escola Mista, liderada por von Liszt na Alemanha. Acolheram-se dos positivistas a análise circunstancial e percuciente da criminalidade, utilizando-se da antropologia e sociologia; dos clássicos apreenderam a classificação de agente imputável e inimputável.
Nessa balburdia n
asce outra Escola – Neoclássica – para reacender na Itália do final do séc. XIX a junção da corrente do tecnicismo jurídico com a crítico-forense (Clássica), colhendo como único argumento do estudo criminal “a lei penal vigente em cada país, por sinal a realidade e base do aplicador da norma (lógica jurídica)”.[62]
Após analisar detidamente as escolas percebemos que a Lei Penal (importada do modelo fascista de Mussolini) e operadores pátrios, em sua maioria, ainda discutem a pena como medida da punição. O que demonstra claramente o continuísmo de idéias totalmente superadas pela própria realidade social, os direitos constitucionais do cidadão e os tratados internacionais de direitos humanos que o país é signatário.
Para finalizar o capítulo, devemos explicitar a finalidade das penas para algumas escolas penais:
Os absolutistas (para os quais a pena teria caráter único e absoluto de retribuição, realizando, assim, a justiça, existindo para restabelecer a ordem, com inspiração em KANT e HEGEL), os relativistas (entendendo ter a pena um fim útil que seria a prevenção delitógena, como um instrumento para resultados futuros, subdividindo-se em prevenção geral e prevenção especial) e, finalmente, os ecléticos, mais difundidos hodiernamente, que, conciliando as demais correntes, enxergam um cunho retributivo, porém buscando, também, a ressocialização, reeducação, do delinqüente, aplicando-se a pena quia peccatum est et ut ne peccetur. Esta teoria mista ou eclética pode ser sintetizada na máxima alemã prevenção geral mediante retribuição justa.[63]
Ainda refletindo os fins da pena temos dos clássicos que o castigo do réu é um painel em que todo o homem pode ver o retrato do que lhe teria acontecido, se infelizmente incorresse no mesmo crime. Caso houvesse impunidade, o caminho estaria livre para o réu e qualquer outro com os mesmos motivos, logo se reconhece que a pena aplicada a um indivíduo é o modo de conservar o todo. “A pena, de toda sorte, deve ser tida como um temor reverencial do ofensor, restituindo-se ao ofendido, mas principalmente a toda a sociedade o status libertatis no seio da comuna”. [64]
Assim, “o fim da pena, é, pois, apenas o de impedir que o réu cause novos danos aos seus concidadãos e demover os outros de agir desse modo”.[65]
CONCLUSÃO
A necessidade do provimento judicial e as raias do devido processo legal ainda são os maiores cursores de um período de admoestação exagerada da norma. Esta, per se, deve ser analisada de acordo com o seu instrumento prático de efetivação (interpretação judicial), fazendo com que haja a devida historicização da Lei com a realidade fática. Se assim não fosse, estaríamos tergiversando por dois mundos intocáveis e imutáveis, ou seja, o mundo abstrato da norma e o mundo real, sendo que para que o abstrato possuía validade deverá estar regiamente adequado a situação posta à prova.
Por essas notas, nos debruçamos no berço da literatura para identificar um dos sentimentos mais perniciosos e atemorizadores do homem – o sentimento de angústia e de incerteza da vida humana pelos joguetes de forças desconhecidas –, introduzidos pelas célebres notas do imortal Dostoiéviski que, aos poucos, foram lapidadas pelo mestre Franz Kafka, do qual se irradiam as obras “O processo” e “Na Colônia Penal”, por retratarem a luta paradigmática das pessoas para compreender a repressão e repreensão do Estado por meio da acusação sob a condução de um tercius.
Tais fatores são os divisores d’água por revelarem na angústia interior do ser humano a incerteza sobre suas vidas, fadadas à dúvida existencial e a irresignação perspicaz do desconhecido, do motivo pelo qual estão sendo molestados pelo aparelho do Estado.
Para enaltecer a questão, imagine qual a repercussão na mente de uma pessoa acusada do cometimento de um crime, que, ao longo dos anos, não sabe o direcionamento da sua questão (se cometeu ou não a infração e a sua punição), e continua vivendo o dia numa verdadeira sina pela busca da terra perdida da satisfação dos seus direitos/deveres como cidadão. Com isso as profundezas da mente do acusado serão lançada para algum objetivo banal, como um cavaleiro andante, aos moldes de Dom Quixote de la mancha, em que a persistência sagaz é o seu único remédio para despistar a tristeza interior de não saber o seu destino. Embora seja valente e destemido dentre seus pares, é inseguro e infeliz por não saber ao certo a que rumo será levado, como muitos por ai, levados por qualquer motivo ao mundo do crime e que, muitas vezes, acabam enrolados nessa senda até os fins de seus dias.
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Notas:
[1] Articulo jurídico para publicación em el sitio Derecho Penal Online. Referências sobre o autor: Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Mato Grosso, Advogado, trabalhou no Tribunal de Justiça de Mato Grosso no gabinete da Desa. Shelma Lombardi de Kato, atualmente é servidor público federal, cargo de analista em reforma e desenvolvimento agrário, lotado na Procuradoria Federal Especializada – INCRA/MT. E-mail: juariregisjr@yahoo.com.br
[2] Sobre o tema, nos filiamos a corrente liderada pelos Drs. Antônio Augusto Cançado Trindade (dentre sua obras – A incorporação das normas internacionais de proteção dos direitos humanos no direito brasileiro. 2. ed. San José. C.R: Instituto Interamericano de Direitos Humanos. Comitê Internacional da Cruz Vermelha. Alto Comissariado das Nações Unidas para os refugiados. Comissão da União Européia e Governo da Suécia, 1997) e Silvia Piovesan (na obra Direitos Humanos e o Direito Internacional Constitucional. 3. ed. Max Limonad, 1996) que atêm os tratados internacionais de direitos humanos, ratificados pelo Brasil, como norma de cunho constitucional pela permissiva do § 2º, artigo 5º, da CRFB/88. De forma diversa, a outra corrente perfilhada pelo STF interpreta e acolhe os tratados internacionais de direitos humanos como legislação ordinária (RTJ nº 83/809, 70/333, 100/1030, RT 554/434, ADIN 1430/DF). Porém, com o advento da Reforma do Poder Judiciário EC (emenda constitucional) nº 45, a interpretação dos tratados internacionais de Direitos Humanos irá se subsumir nesse sentido: art. 5º, § 3º, da CRFB/88 – Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais. (grifo nosso)
[3] A vingança privada foi mitigada da seara social no Egito Antigo e no Código-matriz do Rei Hammurabi (cerca de 1694 a.C.), sendo definitivamente extirpada pelo direito greco-romano que desconstituiu a idéia de que os homens poderiam matar seus semelhantes por brigas ou dívidas. Sobre isso, alertamos ser defeso aos romanos chacinar seus semelhantes (cidadãos romanos), exceto em situações excepcionais de guerra. Porém, lhes era permissível praticar a vingança privada contra estrangeiros, escravos, suas esposas e filhos (no caso de Esparta e outras cidades militares) por serem considerados como coisa e meio de produção. Por isso, com propriedade, abebero das lições do mestre romano Ulpianus de que a justiça é a vontade constante e perpétua de atribuir a cada um o seu. Os preceitos do direito são os seguintes: viver honestamente, não prejudicar outrem, atribuir a cada um o seu. A jurisprudência é a ciência do justo e do injusto, baseada num conhecimento das coisas divinas e humanas. (grifo nosso)
[4] HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Princípios da Filosofia do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2000. pp. 185, 196 e 214.
[5] Correlacionado ao tema, colho as lições do mestre Kazuo Watanabe, citado por Ruy Pereira Barbosa, para quem o direito de acesso à justiça é, fundamentalmente, o direito de acesso à ordem jurídica justa; são dados elementares desse direito: 1) o direito à informação e perfeito conhecimento o direito substancial e à organização de pesquisa permanente a cargo de especialistas e orientada à aferição constante da adequação entre a ordem jurídica e a realidade sócio-econômica do país; […] 3) direito à preordenação dos instrumentos processuais capazes de promover a efetiva tutela de direitos; 4) direito à remoção de todos os obstáculos que se anteponham ao acesso efetivo à justiça com tais características. (BARBOSA, Ruy Pereira. Assistência Jurídica. Rio de Janeiro: Forense, 1998).
[6] SANTOS, Boaventura de Souza. Pela mão de Alice. São Paulo: Cortez, 1995. p. 168. Corrobora a questão o mestre Mauro Capeletti ao dispor que o obstáculo econômico – por este, grande é a porcentagem de pessoas que não tem acesso à justiça em razão de sua pobreza material; o obstáculo organizador – através deste, certos direitos ou interesses ‘coletivos’ ou ‘difusos’ não são tutelados eficazmente se não houver uma radical transformação de regras e instituições tradicionais de direito processual; o obstáculo propriamente processual – por meio da qual certos tipos tradicionais de procedimentos são inadequados aos seus deveres de tutela. (Mauro Capeletti apud BARBOSA, Ruy Pereira. Assistência Jurídica. Rio de Janeiro: Forense, 1998).
[7] ADORNO, Sérgio. Crime, justiça penal e desigualdade jurídica. As mortes que se contam no tribunal do júri. In SOUTO, Cláudio & FALCÃO, Joaquim. Sociologia & Direito. São Paulo: Pioneira, 1999. p. 327.
[8] RADCLIFFE-BROWN, A.R. Estrutura e função na sociedade primitiva. Petrópolis: Vozes, 1973. p. 253.
[9] Idem, ibidem.
[10] RADCLIFFE-BROWN, A.R. Op. cit. p. 259.
[11] BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. São Paulo: Difel, 1989. p. 223.
[12] Principalmente pelo culto aos antepassados.
[13] Bruno, Aníbal. Direito Penal: parte geral. Tomo I. 2. ed. Rio de Janeiro: 1959. p. 55.
[14] Na reação do ofendido contra o ofensor, além do ressentimento de vingança pelo passado, há também a intenção, mais ou menos consciente da defesa para o futuro, reduzindo o ofensor à impossibilidade de repetir a agressão, matando-o, ou dando-lhe a impressão de que tal repetição lhe convém. (FERRI, Enrico. Princípios de Direito Criminal: o criminoso e o crime. Trad. Paolo Capitanio. 2. ed. Campinas: Bookseller, 2003. p. 34).
[15] Quer dizer, a perda da paz, vingança indeterminada, talião e a composição foram os fatores de inspiração para o nascimento da distinção entre crimes públicos e privados, todos submetidos a um órgão do Estado (tercius).
[16] A Lei de Talião, por sua inovação, foi até reproduzida no Pentateuco (cinco primeiros livros da Bíblia, cerca de XIV a.C.).
[17] Em Esparta (Licurgo, séc IX a.C.), em Atenas (Drácon, séc. VII a.C. e depois Solone, séc. VI a.C.) e da Grande Grécia (com Locrs, Cróton, Sibaro, Zaleuco, séc. VII a.C.), e da Catânia (Caronda, séc. VII a.C.). (FERRI, Enrico. Op. cit. p. 36).
[18] FERRI, Enrico. Op. cit. p. 38.
[19] Bruno, Aníbal. Direito Penal: parte geral. Tomo I. 2. ed. Rio de Janeiro: 1959. p. 62. A pena no mesmo período, com a criação dos crimes públicos e privados, tornou-se eminentemente pública.
[20] Delitos públicos – deserção, traição, furto de gado, furto de sacrílego, a danificação de estradas e edifícios públicos.
[21] Os germânicos classificaram os crimes em desonrantes e não desonrantes (segundo o critério de malvadez) e os voluntários (perturbação da paz) e involuntários (passíveis de reparação).
[22] FERRI, Op. cit. p. 39.
[23] Giulio Battaglini retrata “as quatro fases como: a) represália privada; b) composição voluntária; c) composição legal e d) repressão do Estado”. A represália privada existia no Direito Romano primitivo e até hoje junto a povos que não atingiram as premissas da modernidade, sobressai nesta fase a vingança particular em virtude da exigência de justiça, inexistindo, portanto, o mínimo de segurança em sociedade. Na segunda, a vingança é substituída pela indenização ou reparação ao mal impingido, tendo como fundamento a composição dos conflitos de forma voluntária. A terceira fase é coroada pelo nascimento do poder público como órgão refratário da violência, chancelando normas jurídicas de composição obrigatória, determinado ao ofensor a quantia a ser paga (vigente nos delitos privados). Já a quarta fase, com o poder público estabilizado, têm como fundamento a intervenção e controle definitivo (até hoje em vigor) do Estado nos delitos privados e públicos, sendo exemplarmente auxiliados pelo direito eclesiástico (caráter publicista). (BATTAGLINI, Giulio. Direito Penal. 1º Vol. Trad. Paulo José da Costa Jr. e Armida Bergamini Miotto. São Paulo: Saraiva, 1973. pp. 08-10).
[24] GARRAUD, R. Précis de droit criminel. 11. ed. Paris: Sirey, 1912. Apud Machado, Fábio Guedes de Paula. Prescrição penal: prescrição funcionalista. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 32.
[25] BATTAGLINI, Giulio. Direito Penal. 1º Vol. Trad. Paulo José da Costa Jr. e Armida Bergamini Miotto. São Paulo: Saraiva, 1973. p. 10.
[26] BERGER, Peter. Perspectivas sociológicas. Petrópolis: Vozes, 1983. p. 83.
[27] BENTHAM, Jeremias. Teoria das penas legais. 1. ed. Campinas: Bookseller, 2002. p. 21.
[28] BERGER, Peter. Perspectivas sociológicas. Petrópolis: Vozes, 1983. p. 79.
[29] WRIGHT, Robert. O animal moral. Rio de Janeiro: Editora Campus, 1996. pp. 201-225.
[30] Periferia esta em que estão os machos mais velhos e os recém-nascidos. O círculo da sociedade dos macacos é facilmente perceptível, uma vez que o dominador determina o centro junto com suas fêmeas, e dele emanam ou são determinados os outros círculos em direção aos pontos mais longínquos da floresta. Esta observação é apropriada para muitos personagens sociais que em poucos anos de serviço (com a política, esportes etc) ganharam muito dinheiro, mas também perderam muito, razão pela qual muitos deles hoje estão relegados a residir em favelas, se já não estão mortos pelo uso excessivo de drogas (cigarro, álcool e entorpecentes em geral).
[31] Para nós humanos a morte localiza-se na perca do status quo anteri em sociedade por meio da falta de prestígio. Este, conforme preceito da socióloga Neuma Aguiar, é como um sentimento através do qual algumas pessoas são admiradas, apreciadas, olhadas com inveja, enquanto outras são tratadas como se fossem ninguém. Essa ordenação das pessoas em superiores ou inferiores expressa-se através da interação social. (AGUIAR, Neuma. Hierarquias em Classes. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1974. p. 46)
[32] BERGER, Peter. Perspectivas sociológicas. Petrópolis: Vozes, 1983. pp. 85-86.
[33] Porque são realmente inocentes ou porque estão protegidos pela veste pecuniária.
[34] Essa modalidade normalmente é aplicada àqueles com processo criminal em curso ou para os que já cumpriram sua dívida com o Estado ou com a sociedade.
[35] Já neste paradigma vemos claramente a aplicação concomitante da prisão sem muros (prisão da consciência ou martírio do tempo no preso) e da prisão com muros (cadeias e presídios).
[36] BERGER, Peter. Perspectivas sociológicas. Petrópolis: Vozes, 1983. p. 46.
[37] MESSUTI, Ana. O tempo como pena. Trad. Tadeu Antonio Dix Silva e Maria Clara Veronesi de Toledo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 19.
[38] GARRAUD, René. Compêndio de Direito Criminal. Vol. I. Trad. e notas de Ricardo Rodrigues Gama. Campinas: LZN Editora, 2003. p. 325.
[39] BENTHAM, Jeremias. Teoria das penas legais. 1. ed. Campinas: Bookseller, 2002. p. 21.
[40] CARNELLUTI, Francesco. Arte do direito. Campinas: Edicamp, 2003. pp. 82 e 85.
[41] Idem, ibidem.
[42] Por meio da pena.
[43] ZAFFARONI, E. R. En busca de las penas perdidas. Lima AFA Editores, p. 226. Apud. MESSUTI, Ana. O tempo como pena. Trad. Tadeu Antonio Dix Silva e Maria Clara Veronesi de Toledo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 75.
[44] COTTA, S. Perché la violenza?. Japadre: L.U.L’Aquila. 1978. p. 76. Apud. MESSUTI, Ana. O tempo como pena. Trad. Tadeu Antonio Dix Silva e Maria Clara Veronesi de Toledo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 24.
[45] GARRAUD, René. Compêndio de Direito Criminal. Vol. I. Trad. e notas de Ricardo Rodrigues Gama. Campinas: LZN Editora, 2003. p. 452. Nesse mesmo sentido Carnelluti entende que no lugar da execução da pena deveria ser colocada a restituição, sendo a restituição e a pena as verdadeiras espécies do gênero sanção. […] “o caráter da restituição é satisfativo, e o da pena, aflitivo. […] no tocante á pena, não conseguem ver mais do que a cruz do condenado chorando na sua prisão”. (CARNELLUTI, Francesco. Arte do direito. Campinas: Edicamp, 2003. pp. 73-75).
[46] CARNELUTTI, Francesco. Como se faz um processo. 2. ed. Campinas: Minelli, 2004. p. 24.
[47] BENTHAM, Jeremias. Teoria das penas legais. 1. ed. Campinas: Bookseller, 2002. pp. 30-35.
[48] BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. São Paulo: Difel, 1989.
[49] FEINBERG, J. Doing and deserving. Princeton: Princeton Universtity Press, 1970. p. 115. Apud MESSUTI, Ana. O tempo como pena. Trad. Tadeu Antonio Dix Silva e Maria Clara Veronesi de Toledo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 33.
[50] Ano em que surge outra modalidade de extinção da punibilidade pelo pagamento da dívida com o Fisco.
[51] MARCÃO, Renato Flávio; MARCON, Bruno. Rediscutindo os fins da pena. Jus Navigandi. Teresina. Ano 06. N 54. Fevereiro. 2002. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=2661>. Acesso em: 06 jul. 2005.
[52] As escolas penais que serão examinadas em seguida compõem o acervo da terceira (humanitária) e quarta (contemporânea, penitenciária e científica) correntes do Direito Penal.
[53] Apesar dos profícuos ensinamentos de Enrico Ferri noticiarem que anteriormente a esta escola existiu a escola realista, mantemos a nossa posição, por sinal a dominante, no sentido de que antes da escola clássica se destacavam a vingança privada, a composição e a Lei de Talião, ultrapassadas para efeito doutrinário com a criação das escolas penais.
[54] FERRI, Enrico. Op. cit. p. 59.< /p>
[55] FERRI, Enrico. Op. cit. pp. 58-59.
[56] Idem, ibidem.
[57] Idem, ibidem.
[58] Isto nos remonta a sociedade de castas pela inexistência de progressão hierárquica. Não precisamos ir longe, a estratificação social brasileira, advinda do molde capitalista, freia os sonhos das classes miseráveis, “contentes” por imaginar que são brasileiros e não desistirem nunca.
[59] FERRI, Enrico. Op. cit. p. 62.
[60] Idem, ibidem.
[61] Id., ibid.
[62] Encerramos o estudo das escolas penais para não tornar enfadonho o trabalho, mas principalmente porque as que foram destacadas são as mais importantes do ponto de vista desta monografia.
[63] FARIAS, Cristiano Chaves de. Por uma função social para a pena. Publicada in Revista Síntese de Direito Penal e Processual Penal. Nº 08. Junho/julho, 2001. p. 29.
[64] BENTHAM, Jeremias. Teoria das penas legais. 1. ed. Campinas: Bookseller, 2002. p. 25.
[65] BECCARIA, Césare. Dos delitos e das penas. 2. ed. Trad. José Cretella Júnior e Agnes Cretella. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 52.