Justiça social e direitos humanos: a dignidade como componente político-universal Por Anna Paula Bagetti Zeifert

Resumo: O presente estudo tem por objetivo pensar a justiça social a partir de dois elementos, a desigualdade e a pobreza. Referidos elementos interferem de forma significativa na realização das necessidades humanas fundamentais com vistas a uma vida digna de ser vivida. Estratégias desenvolvimentistas diferentes das que habitualmente dominam o campo socioeconômico, emergem como possíveis alternativas para que referidas necessidades sejam atendidas. Isso implica na criação de uma nova forma de ver a realidade, possível apenas a partir de um olhar transdisciplinar. Para tanto, a pesquisa utilizará no seu delineamento o método de abordagem hipotético-dedutivo, com fontes bibliográficas oriundas da filosofia política contemporânea e da teoria crítica. Considerando as referências de estudo, várias teorias buscaram esse enfoque ao longo do tempo, tendo como pano de fundo a ideia de justiça e suas implicações. Nesse contexto, relevante retomar as análises desenvolvidas por Amartya Sen e Martha Nussbaum, a fim de discutir a justiça social, as necessidades humanas mais urgentes e a efetividade dos programas sociais que buscam garantir a justiça social pretendida e o respeito aos direitos humanos. Ambos os autores analisaram os elementos desigualdade e pobreza a partir do enfoque das capacidades, tendo como fonte os conceitos de liberdade e igualdade. Porém, entendemos que um olhar sobre os direitos humanos requer ir além dos conceitos de liberdade e igualdade. Mais ainda, pensar os direitos humanos nos conduz a refletir criticamente sobre um componente político-universal, a noção de dignidade. O valor dignidade aqui pensado é o elo condutor dos ideais de liberdade e igualdade. A dignidade é o objetivo final das ações em torno da promoção dos direitos humanos, sua luta exige um compromisso para com a interdependência e a indivisibilidade de todos os direitos humanos. A luta pela dignidade é a luta pela universalização dos direitos humanos.

Abstract: The present study aims to think of social justice from two elements, inequality and poverty. These elements significantly interfere with the fulfillment of basic human needs with a view to a life worth living. Strategies developmentalists different from those that usually dominate the socioeconomic field, emerge as possible alternatives for these needs to be met. This implies creating a new way of seeing reality, possible only from a transdisciplinary perspective. To do so, the research will use in its design the hypothetical-deductive approach, with bibliographical sources coming from contemporary political philosophy and critical theory. Considering the study references, several theories have sought this approach over time, against the backdrop of the idea of justice and its implications. In this context, it is relevant to take up the analyzes developed by Amartya Sen and Martha Nussbaum in order to discuss social justice, the most urgent human needs and the effectiveness of social programs that seek to ensure the desired social justice and respect for human rights. Both authors analyzed the elements inequality and poverty from the capacity-based approach, based on the concepts of freedom and equality. However, we understand that a look at human rights requires going beyond the concepts of freedom and equality. Moreover, thinking about human rights leads us to reflect critically on a political-universal component, the notion of dignity. The value dignity here thought is the driving link of the ideals of freedom and equality. Dignity is the ultimate goal of action on the promotion of human rights, its struggle requires a commitment to the interdependence and indivisibility of all human rights. The struggle for dignity is the struggle for the universalization of human rights.

1 Introdução

A luta por direitos sempre esteve atrelada a temática da justiça social, principalmente quando esses direitos estão relacionados as condições mínimas para se ter uma vida digna. Nesse contexto, falar em justiça social requer refletir sobre a sua extensão, aspectos teóricos-conceituais e seus elementos, visto que o ponto de partida para seu estudo poderá variar devido a corrente teórica que servirá como referência. Porém, quando se fala em justiça social, dois elementos emergem como fundamentais, a noção de desigualdade e de pobreza. Tais elementos seriam, segundo alguns teóricos, o ponto de partida para analisar o quanto uma sociedade é mais ou menos justa, mais ou menos excludente, mais ou menos promotora dos direitos humanos. Significa refletir sobre o quanto essa sociedade promove a realização das necessidades humanas fundamentais para uma vida digna de ser vivida.

A efetivação da justiça social no interior de uma sociedade, considerando os dois elementos descritos anteriormente, requer estratégias desenvolvimentistas diferentes das que habitualmente dominam o campo socioeconômico, bem como alternativas para que as necessidades mais urgentes sejam atendidas. Assim, o estudo da justiça social se encontra difundido nas teorias contemporâneas sobre a justiça, possuindo uma relação muito estreita com a vertente do liberalismo igualitário, principalmente a partir dos escritos teóricos do economista e filósofo indiano Amartya Sen e da filósofa norte-americana Martha Nussbaum.

Ambos os autores analisam os elementos desigualdade e pobreza a partir do enfoque das capacidades, teoria desenvolvida inicialmente por Sen e aprimorada por Nussbaum, tendo como fonte os conceitos de liberdade e igualdade, referência para estudos com viés contratualistas.

Necessário esclarecer que tanto Sen quanto Nussbaum, propõem uma espécie de revisão a teoria liberal. Ou seja, o liberalismo que considera o valor igual das pessoas e de suas liberdades, que orienta a vantagem mútua a partir noção de cooperação, será questionado pelos autores, principalmente porque ambos colocam a pessoa/indivíduo/sujeito, não o grupo, como eixo central das suas teorias. Rejeitam algumas estratégias liberais e desenvolvem um conceito de pessoa considerando a vulnerabilidade e os impedimentos que acometem os ser humanos em momentos da vida.

Conforme aduz Sen (2011), a liberdade é um dos aspectos valiosos da experiência de viver, determina a natureza de nossas vidas, reconhecer a sua importância pode ampliar as preocupações e compromissos dispensado as pessoas. Está relacionada a oportunidade de buscar objetivos e fins que o indivíduo deseja alcançar, bem como ao próprio processo de escolha de cada um. Essas duas perspectivas apontam para a relevância da liberdade e o seu significado frente a vida. Assim, conforme o referido autor, o conceito de liberdade e de capacidade estão relacionados. Liberdade é a possibilidade de escolher o que valoriza e o que quer realizar. Capacidade é um aspecto de oportunidade da liberdade, a medida do indivíduo para alcançar a liberdade de escolher e de realizar.

Nussbaum (2013) faz uma abordagem das capacidades a partir do argumento da variabilidade. Formula uma lista de capacidades com o objetivo de definir o mínimo que deve uma sociedade garantir aos seus cidadãos de maneira a promover a justiça social. Por tanto, seu enfoque das capacidades vai além do proposto por Sen a partir do momento que apresenta uma lista com dez capacidades. Para a autora, o sujeito é o objeto primário da justiça política, cada pessoa é um fim, seu enfoque das capacidades garante subsídios para uma ética do cuidado dentro da própria tradição imposta pelo modelo liberal.

No entanto, entendemos que um olhar sobre os direitos humanos requer ir além dos conceitos de liberdade e igualdade. As ações em torno da promoção dos direitos humanos exige um compromisso para com a interdependência e a indivisibilidade de todos os direitos humanos, possível a partir do valor dignidade. Nesse sentido, o presente artigo ao revisitar autores da teoria crítica a fim de garantir subsídios para contraditar a proposta apresentada pelos liberais igualitários, analisa a pertinência de compreender os direitos humanos com foco na dignidade.

2 Amartya Sen e a relevância da liberdade e da igualdade

A abordagem da justiça feita por Sen (2011, p. 35) tem a característica de focar as sociedades reais, não apenas em instituições e regras. Demonstra a necessidade de partir de uma compreensão da justiça que seja baseada na realização, uma abordagem relacionada ao argumento de que a justiça não pode ser indiferente às vidas que as pessoas podem viver de fato. Vidas, experiências e realizações humanas são insubstituíveis, representam aquilo de mais valioso que se tem no espaço social. Instituições e regras são naturalmente importantes “[…] mas as realizações de fato vão muito além do quadro organizacional e incluem as vidas que as pessoas conseguem – ou não – viver.”

Realizar essa análise, no entanto, não é suficiente para compreender a complexidade de justiças e injustiças existentes no seio da sociedade. A análise dos indivíduos e da própria sociedade, atentar para as vidas humanas, possibilitará encontrar a liberdade como um elemento significativo para a contribuição do bem-estar, permite ao indivíduo escolher o que considera de valor para sua vida, assim como possibilita a busca por objetivos que estão além do próprio bem-estar individual. Portanto, o ser humano possui capacidade de escolher e oferecer razões, capacidade de fazer algo, essa capacidade de escolha e decisão de objetivos é permitida pela liberdade. (SEN, 2011)

Quanto a liberdade, elemento a ser atentado na questão da justiça social, é preciso analisar os vários âmbitos da sociedade, pois é evidente que certas liberdades dependem de fatores para existirem de maneira ideal na vida de cada indivíduo. A liberdade diz respeito a importância de compreender a necessidade de um indivíduo possuir liberdade para escolher um estilo dentro dos diferentes modos de vida. Capacidade que uma pessoa possui para escolher a vida que deseja levar, a possibilidade de realizar escolhas quanto a própria vida é uma questão de dignidade.

Duas perspectivas são apontadas pelo autor como aquelas que fazem da liberdade algo tão importante para os indivíduos e para pensar a justiça social. A primeira se refere a oportunidade de buscar os objetivos e os fins que cada indivíduo deseja alcançar; a segunda remete ao próprio processo de escolha dos objetivos e fins. Unificando essas perspectivas ocorrerá a composição da liberdade como capacidade de um indivíduo decidir por si próprio seus objetivos, autonomia. (SEN, 2011)

Nesse contexto, a abordagem das capacidades em Sen tem seu foco na liberdade que possui uma pessoa para fazer as coisas que tem razão para valorizar. A partir dessas questões, é possível compreender, através da ideia de liberdade, capacidade e justiça, que a parte fundamental da liberdade consiste na capacidade do próprio indivíduo escolher aquilo que mais valoriza, aquilo que deseja para si e para sua vida. Portanto, a capacidade está ligada a liberdade através do seu aspecto de oportunidade abrangente, ou seja, a capacidade como o potencial do indivíduo realizar várias combinações de funcionamentos que tenham razão para serem valorizadas.

Diante do exposto, as contribuições do autor com relação a ideia de justiça social e seus elementos desigualdade e a pobreza, está diretamente relacionada a própria noção de capacidade por ele produzida. Diz respeito aquilo que os indivíduos podem ser e fazer, capacidade para levar adiante seus planos para a concretização de uma vida digna. Isso envolve as condições dadas pelo Estado por meio de políticas para que todos acessem da mesma forma as condições mínimas para viver. Isso representa o grau de liberdade/autonomia de cada indivíduo que possibilita sua emancipação enquanto tal. Essa forma de emancipação está relacionada a proposta seniana de desenvolvimento.

3 Martha Nussbaum e a lista de capacidades: perspectivas para a construção de sociedades mais inclusivas

Martha Nussbaum desenvolve uma teoria voltada para a formulação de uma lista de capacidades humanas com o objetivo de tratar de questões referentes à justiça social. O enfoque realizado por Nussbaum é único, pois parte de uma crítica às teorias contratualistas e adota uma concepção de indivíduo/pessoa diferente da adotada por outros autores.

Quanto às teorias do contrato social, Nussbaum aponta a existência de problemas. Ao pensar em um contrato social pouco se discute acerca das pessoas com impedimentos mentais e físicos, ainda que esses indivíduos possuam a capacidade de estarem presentes ativamente na discussão das questões de cunho político. A realidade é que os grupos responsáveis por estabelecerem os princípios políticos de um Estado emergente, a partir de um contrato social, não possuem em sua composição pessoas com impedimentos, o que está diretamente relacionado ao fato de que os direitos dos indivíduos com deficiências ficam em segundo plano nas discussões. Do ponto de vista da autora, é preciso que esses indivíduos possuam papéis representativos na discussão dos princípios políticos, à medida que seu impedimento físico ou mental o permite. Enquanto isso, as teorias contratualistas pressupõem que todas as pessoas são iguais. Entretanto, constata-se que a sociedade é composta por uma pluralidade de indivíduos, incluindo aqueles em condições de impedimento. Essa pressuposição, também, reflete na vida das pessoas com deficiências, pois colabora na exclusão delas dentro da formação dos princípios políticos de um Estado. (NUSSBAUM, 2013)

Além disso, Nussbaum (2013) demonstra que a ideia de defender os recursos como um meio de analisar as condições e o bem-estar dos indivíduos em sociedade é um sistema falho, pois as pessoas podem possuir os mesmos recursos, mas suas deficiências e impedimentos, ou a ausência de qualquer um desses, podem modificar os meios pelos quais pode o indivíduo usufruir desses recursos, sem esquecer de que os indivíduos possuem diferentes necessidades de recursos. Por isso, considera necessário confrontar as questões de deficiência e impedimento, pois esses pontos são os que mais importam para tratar de justiça social.

Entende que toda sociedade deve responder às necessidades das crianças e adultos com impedimentos mentais, garantindo assistência, educação, autorrespeito, atividade e amizades, ou seja, garantindo o mínimo de dignidade. Sua crítica se concentra no fato de que as teorias contratualistas imaginam que os indivíduos que projetam a sociedade são “livres, iguais e independentes”, o que significa que as pessoas com impedimentos mentais não estão entre aquelas pessoas para as quais o contrato social está sendo pensado, estão em segundo plano. Nesse sentido, “uma abordagem satisfatória da justiça humana requer reconhecer a igualdade na cidadania para pessoas com impedimentos, inclusive impedimentos mentais, e apoiar apropriadamente o trabalho de sua assistência e educação […]” (NUSSBAUM, 2013, p.121)

A autora apresenta a existência de dois problemas principais acerca de justiça social com relação aos impedimentos e deficiências. O primeiro problema se refere ao tratamento justo para as pessoas que estão na situação de impedimento; o segundo remete a outro lado da questão, a sobrecarga das pessoas que são responsáveis por cuidar e atender seus dependentes. Para Nussbaum (2013) os indivíduos com deficiências e impedimentos associados não são improdutivos, pelo contrário, essas pessoas podem contribuir para a sociedade de inúmeras maneiras, contanto que a sociedade crie as condições para que isso seja possível.

Ressalta a autora, que para John Rawls o foco estaria nas partes contratantes como sujeitos racionais, excluindo da situação política de escolha básica as formas mais extremas de necessidades e dependências que podem os seres humanos experimentarem. Portanto, Rawls acredita ser possível formular adequadamente os princípios políticos sem levar em consideração os impedimentos e deficiências, ou seja, sem considera-los ao discutir sua lista de bens primários. (NUSSBAUM, 2013)

Sobre a falta de abordagem dos impedimentos mentais e físicos na Teoria da Justiça Ralwsiana, Nussbaum (2013) faz uma crítica dizendo que a ênfase kantiana e a doutrina do contrato social estão quase que em conflito, pois a teoria kantiana pretende tratar toda pessoa como um fim, enquanto o contratualismo pensa que toda pessoa precisa contribuir e ser produtiva na e para sociedade. Por essa razão, adota uma concepção aristotélica e marxista de indivíduo, pensando no ser humano como um ser social e político, que se realiza através de suas relações com os outros. Portanto, o problema dos impedimentos mentais nas teorias contratualistas está diretamente ligado a ideia de que tal indivíduo não estará no grupo que decide os princípios da sociedade, assim como não será considerado indivíduo produtivo, e mesmo que seja produtivo de acordo com seus impedimentos, esses não seriam capazes de devolver os gastos que a sociedade teve com a sua educação e tratamento.

Todavia, partindo da concepção aristotélica e marxista de indivíduo, se faz necessário refletir sobre o benefício para a sociedade em integrar os indivíduos com impedimentos mentais. Em primeiro lugar, o maior benefício é o de que a sociedade será regida pela justiça, e não pela injustiça. Além disso, haverá a vantagem de respeitar a dignidade humana dessas pessoas e auxiliar o desenvolvimento de seus potenciais, independentemente de ser útil ou não para a sociedade em geral. Ao se integrar pessoas com deficiências o Estado estaria respeitando a humanidade e sua diversidade. (NUSSBAUM, 2013)

A partir disso, Nussbaum (2013) utiliza a abordagem das capacidades para explicar as garantias humanas centrais que devem ser efetivadas pelo Estado e pela comunidade internacional para todos os indivíduos. Essa explicação foca nas capacidades humanas, no que as pessoas são capazes, de fato, de fazer e ser, instruídas, de certa forma, pela ideia intuitiva de uma vida apropriada à dignidade do ser humano. Deste modo, a autora constrói uma lista de dez capacidades como exigências para que o indivíduo possua uma vida com dignidade, como uma determinação mínima de justiça social, ou seja, a sociedade que não garante essas capacidades em um nível mínimo não pode ser considerada justa.

Portanto, o enfoque das capacidades “é uma explicação do mínimo de garantias sociais centrais e é compatível com diferentes visões sobre como lidar com questões de justiça e distribuição que surgiram uma vez que todos os cidadãos estivessem acima do nível mínimo.” (NUSSBAUM, 2013, p.91)

A filósofa norte-americana apresenta dez capacidades humanas centrais: a vida, a saúde física, a integridade física, os sentidos, imaginação e pensamento, as emoções, a razão prática, a afiliação, a relação com outras espécies, o acesso ao lazer e ter controle sobre o próprio ambiente político e material. Ao pensar em uma vida sem alguma dessas capacidades no nível mínimo podemos concluir que tal vida não possui o mínimo de dignidade para ser vivida. As capacidades são para todos indivíduos, sendo que cada capacidade deve existir em, pelo menos, um nível mínimo, considerando que quando o nível da capacidade estiver abaixo do mínimo o indivíduo não estaria sendo tratado com mínimo de funcionamento verdadeiramente humano. Deste modo, o objetivo deve ser que os cidadãos estejam sempre com os níveis de capacidade acima do mínimo, afim de garantir as condições fundamentais para ter uma vida humana verdadeiramente digna.

4 (Re)pensar os direitos humanos: a dignidade como componente político-universal

O conceito de desigualdade está intimamente relacionado com a noção de exclusão social, visto que esse comporta o distanciamento dos indivíduos das várias instâncias da vida social. Podemos identificar cinco tipos de exclusão social: de tipo econômico, de tipo social, de tipo cultural, de origem patológica, e por comportamentos autodestrutivos. (COSTA, 1998, p. 21-25). A seguir, faremos uma análise individualizada desses vários tipos de exclusão e suas implicações.

1. Exclusão de tipo econômico: A pobreza, enquanto situação de privação múltipla, em razão da falta de recursos, representa esta forma de exclusão. Suas características estão normalmente associadas a baixas condições de vida, de salários, de instrução, o que resulta na obtenção de empregos precários, ou na maioria das vezes os cidadãos, para sobreviverem, recaem na economia informal. Com o passar do tempo, a pobreza passa a interferir na vida do indivíduo com reflexos psicológicos, alterando sua forma de agir e pensar, retirando o indivíduo da convivência social.

2. Exclusão de tipo social: Neste caso, a própria causa de exclusão situa-se no domínio dos laços sociais. É uma situação de privação de tipo relacional, caracterizada pelo isolamento, por vezes associada à falta de autossuficiência e autonomia pessoal. Este tipo de exclusão pode não ter qualquer relação com a falta de recursos, resultar do estilo de vida de familiares e amigos, da falta de serviços de bem-estar ou de uma cultura individualista e pouco sensível à solidariedade. Este tipo de exclusão pode também decorrer da falta de condição financeira, caso em que se terá uma exclusão de tipo social sobreposta a uma exclusão de tipo econômico.

3. Exclusão de tipo cultural: A exclusão de uma parcela de cidadãos de uma determinada sociedade pode também estar ligada a fatores de ordem cultural. O racismo, a xenofobia, o nacionalismo exacerbado originam a exclusão social de minorias étnico-culturais. A difícil aceitação de um ex-detento pela sua sociedade também representa uma exclusão e uma barreira para sua reintegração.

4. Exclusão de origem patológica: Outro tipo de exclusão verificada pelo referido autor diz respeito a fatores patológicos, de natureza psicológica ou mental. Essas situações patológicas, muitas vezes, são fatores que conduzem a rupturas familiares, trazendo como consequência os cidadãos denominados “sem-abrigo”, que perambulam pelas cidades aumentando a onda de excluídos.

5. Exclusão por comportamento autodestrutivo: A exclusão social também está relacionada a comportamentos autodestrutivos ou à auto exclusão. Algumas pessoas encontram-se em tal situação em razão de seus comportamentos, relacionados com a toxicodependência, o alcoolismo, a prostituição etc. Uma das consequências do problema da auto exclusão é a pobreza, forma de exclusão social que não se pode deixar de considerar e que está intimamente relacionada com todas as formas de exclusão já citadas, ou seja, uma forma de exclusão colabora, na maioria das vezes, para a origem de outra.

Nesse contexto, segundo Sen e Kliksberg (2010, p. 35 e 37) “[…] muitas privações e violações de direitos humanos de fato assumem a forma de exclusão de prerrogativas individuais elementares […]”; tal abordagem não é parte apenas de discursos persuasivos, “a linha divisória entre ‘os que têm’ e ‘os que não têm’ [é] uma característica substancial do mundo em que vivemos.”

Pertinente, a partir de agora, resgatar as observações em torno dos conceitos de liberdade e igualdade e o rol de direitos humanos. Verificar se ainda é possível subdividir os direitos humanos em direitos individuais (liberdade), sociais (políticas de igualdade), econômicos e culturais, ou se tais direitos exige um compromisso para com a interdependência e a indivisibilidade de todos os direitos humanos, possível a partir do valor dignidade.

O autor escolhido para fazer tais análises pertence a teoria crítica dos direitos humanos, apresentando uma proposta diferente da desenvolvida pelos liberais igualitários. Joaquim Herrera Flores (2009), desenvolve uma investigação integradora relativa aos direitos humanos, dizendo ser fundamental pensar tais direitos de maneira global, porém a divisão em direitos de liberdade e de igualdade não possibilitam referida reflexão. Segundo o autor, um olhar sobre os direitos humanos requer ir além dos conceitos de liberdade e igualdade e compreender os direitos humanos com foco na dignidade como elemento ético e político-universal.

A dignidade humana, enquanto luta para beneficiar todos os seres humanos deve ser o elemento fundamental que liga os vários direitos humanos (liberdades individuais, direitos sociais, econômicos e culturais). Não há que se falar em direitos humanos de forma independente, mas em direitos humanos de todos e para todos com a finalidade maior de garantir uma vida digna. Significa dizer que todos os direitos presentes no rol de direitos humanos são considerados prioritários, pois todos eles possibilitam efetivar a dignidade.

Como destaca Flores (2009, p. 114), “nada é mais universal que garantir a todos a possibilidade de lutar, plural e diferentemente, pela dignidade humana. A maior violação aos direitos humanos consiste em impedir que algum indivíduo, grupo ou cultura […]”, de uma forma ou de outra, não possa lutar por seus interesses de maneira a acessar condições mais dignas para viver.

A superação da desigualdade e da pobreza, nesse sentido, nada mais é do que a própria noção de dignidade sendo realizada, afastando as mazelas que assolam grande parte dos países do sul global. Os diferentes modelos de desenvolvimento expostos ao longo do tempo, evidenciam a ausência de políticas que efetivamente garantam um desenvolvimento humano adequado e condizente com a noção de dignidade. (FLORES, 2009)

Por fim, resta esclarecer que os direitos humanos não representam uma espécie harmônica, possível de ser idealizada e realizada a partir de consenso, como pensam os autores de viés contratualistas. Tratar da temática dos direitos humanos na contemporaneidade requer enfrentar desafios distintos. Para Flores (2009, p. 146), a “geopolítica de acumulação capitalista apoiada na exclusão […]” promovida pelo modelo político-econômico neoliberal, produz desafios diário para a garantia da dignidade e isso, consequentemente, atinge o seu meio de realização que são os direitos humanos.

5 Considerações finais

Pensar os direitos humanos na contemporaneidade e sua complexa universalização requer ir além dos conceitos de liberdade e igualdade, fontes de inspiração para a doutrina liberal. Exige um compromisso para com a interdependência e a indivisibilidade de todos os direitos presentes no rol de direitos humanos, e isso faz com que se eleja um eixo comum capaz de sustentar todas as suas dimensões em uma única. Por essa razão, quando avaliamos o ponto de partida para análise da temática, sob a ótica de diferentes autores – no caso do presente estudo: Amartya Sen, Martha Nussbaum e Joaquim Herrera Flores – é visível que se escolha elementos dos mais variados para fundamentar a sua relevância e necessidade de universalização.

Considerando que a busca pela construção de sociedades justas e igualitárias é fundamental, necessário se faz eliminar ou minimizar os problemas relativos a desigualdade e a pobreza para que se possa realizar a justiça social. Objetivando apresentar uma teoria que colaborasse com referido objetivo, a ideia de capacidades surge no pensamento de Amartya Sen e Martha Nussbaum como movimento para construir um modelo de direitos humanos básicos para cada indivíduo em sua comunidade. A filósofa norte-americana, diferente de Sen, propõe uma lista das dez capacidades básicas que podem ser adaptadas para qualquer sociedade que tenha o objetivo de alcançar o ideal de sociedade justa.

O enfoque das capacidades não pretende ser uma doutrina ou uma teoria completa sobre direitos básicos, apenas busca especificar certas condições que são necessárias para que uma sociedade seja minimamente justa e que seus cidadãos tenham um conjunto de direitos fundamentais assegurados. Porém, continua utilizando a liberdade e a igualdade como eixo para pensar os direitos humanos, bem como a noção de dignidade.

Com o enfoque das capacidades, a explicação dos benefícios e objetivos da cooperação social possui desde o princípio uma dimensão moral e social. Existem mais laços e objetivos comuns entre os seres humanos que a expectativa de vantagem mútua, pois as relações humanas são complexas e envolvem situações maiores que aspectos econômicos, pois a busca pela justiça vai além do particular, ela envolve todos os indivíduos independente de possuírem ou não certa igualdade aproximada. Assim, conforme a abordagem das capacidades, a justiça é possível sem que os indivíduos da sociedade estejam em igualdade, pois a sociedade é e sempre será composta por uma complexidade de seres humanos.

Já a proposta apresentada a partir da teoria crítica dos direitos humanos, desenvolvida por Joaquim Herrera Flores, é fundamental estabelecer um elo de ligação entre todos os direitos humanos, a fim de que se perceba o quanto os mesmo são parte de uma mesma engrenagem sustentada pelo valor dignidade. Para o autor, a dignidade é o elemento ético e político universal possível de ser compartilhado por todos os indivíduos e grupos.

REFERÊNCIAS

  • COSTA, Alfredo Bruto da. Exclusões sociais. Lisboa: Fundação Mário Soares, 1998. (Cadernos democráticos, 2).
  • FLORES, Joaquim Herrera. A (re)invenção dos direitos humanos. Tradução de Carlos Roberto Diogo Garcia, Antonio Henrique Graciano Suxberger e Jefferson Aparecido Dias. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2009.
  • NUSSBAUM, Martha C. Fronteiras da justiça: deficiência, nacionalidade, pertencimento à espécie. Tradução de Susana de Castro. São Paulo: Martins Fontes, 2013.
  • RAWLS, John. A Theory of Justice. Revised Edition. Cambridge, Massachusetts: Harvard University Press, 1999.
  • SEN, Amartya. A ideia de justiça. Tradução de Ricardo Doninelli Mendes e Denise Bottmann. São Paulo: Companhia das Letras, 2011.
  • SEN, Amartya; Kliksberg, Bernardo. As pessoas em primeiro lugar. A ética do desenvolvimento e os problemas do mundo globalizado. Tradução de Bernardo Ajzemberg e Carlos Eduardo Lins da Silva. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.

Notas:

[*] Ponencia presentada en el marco del Coloquio de Derechos Humanos del Departamento de Derecho UNS llevado a cabo en el mes de abril en 2019 en la UNS.

[1] Anna Paula Bagetti Zeifert es Doutora em Filosofia (PUCRS). Professora do Programa de Pós-Graduação em Direito – Mestrado e Doutorado em Direitos Humanos – e do Curso de Graduação em Direito da UNIJUI/Brasil. Integrante do Grupo de Pesquisa Cidades, Justiça Social e Sustentabilidade (CNPq). Coordenadora do projeto de pesquisa “Justiça Social: os desafios das políticas sociais na realização das necessidades humanas fundamentais”. Editora-Chefe da Revista Direito em Debate (Qualis B1).

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