A sociedade do hiperconsumo e as implicações para a sustentabilidade nas cidades Por Ana Maria Foguesatto y Daniel Rubens Cenci

RESUMO: O tema do presente artigo traz um debate acerca da importância do direito humano ao meio ambiente ecologicamente equilibrado frente ao desenvolvimento da sociedade contemporânea. Através do método de abordagem hipotético-dedutivo e da técnica de pesquisa bibliográfica objetiva-se analisar o meio ambiente urbano e as implicações para a sustentabilidade nas cidades. Estuda-se as interações jurídico sociais entre o homem e a natureza e o estilo de vida das pessoas, voltado ao consumo, que tornou-se um desafio a ser enfrentado pelas cidades. Nesse seguimento, expandindo o debate a uma nova fase com a sociedade do hiperconsumo, que se deu através da multiplicação da comercialização, o que fez crescer o desejo de consumir. Assim, o estudo relacionado com a linha de pesquisa Democracia, Direitos Humanos e Desenvolvimento que se encontra vinculada ao Curso de Mestrado em Direitos Humanos da Unijuí, conclui que a sociedade contemporânea do hiperconsumo deve criar formas de sustentabilidade responsável, onde o destino da sociedade é o pós-hiperconsumo, na qual o desejo da felicidade leva-se a uma necessidade de reinventar a felicidade e a busca pela alegria de viver.

 

1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O tema do presente estudo traz primeiramente uma análise da sociedade de consumo e a perspectivas de sustentabilidade das cidades. Estuda-se a interações sócio jurídicas entre o homem e a natureza e as relações de consumo, bem como, as relações de poder entre os seres humanos, a divisão de classes sociais e o modo de vida dos cidadãos modernos. Destaca-se uma nova fase com a sociedade do hiperconsumo, onde houve uma multiplicação da comercialização e por consequência um aumento da necessidade de consumir, modernidade esta, que coincide, com a “civilização do desejo”.

Neste contexto, traz o tema de direitos humanos, como um tema crescente nos diálogos, tanto no meio acadêmico quanto na política nacional e internacional. Na contemporaneidade, a liberação do processo de modernização da sociedade abre um novo horizonte no debate acerca dos direitos humanos. Nessa seara busca relacionar com aos padrões de qualidade de vida e sustentabilidade em âmbito local.

O estilo de vida das pessoas na sociedade atual apresenta mudanças repentinas, dando novos contornos ao dia a dia. Expõe-se de que forma o modo de vida das pessoas, na atualidade, fora facilitado através da maior oferta de bens e serviços trazidos pelos avanços industriais e tecnológicos, acarretando implicações para a sustentabilidade, bem como a degradação do meio ambiente e a perda da qualidade de vida.

Nasce então uma nova fase do capitalismo de consumo, onde teve início a sociedade do hiperconsumo. Nesse ponto, se discute o consumo na contemporaneidade, o seu funcionamento e o impacto sobre a vida das pessoas constituem o objeto central desse artigo. Aqui se instala uma condição profundamente paradoxal acerca do hiperconsumidor. A própria revolução do consumo sofreu uma revolução. É uma corrida pelo bem-estar individual, através do consumo hedonista e a busca infinda pela felicidade.


2 A SOCIEDADE DE CONSUMO E OS IMPACTOS AMBIENTAIS NA CONTEMPORANEIDADE

Após o fim da Guerra Fria, a globalização do capitalismo começa a tomar forma, de acordo com Octavio Ianni (1999, p. 184): “nessa época ocorre uma transformação quantitativa e qualitativa do capitalismo, como modo de produção e processo civilizatório.” Essas transformações foram principalmente na área de processo de produção, na organização do trabalho e também trouxe mudanças significativas na vida das pessoas.

No final do século 20 e início do século 21, período da pós-modernidade, passa a entrar em cena as realidades de um mundo moderno, multiplicando-se os espaços imaginários e virtuais, os prazeres do consumo onde cada indivíduo procura satisfazer-se conforme a sua vontade.

Esse é um processo que vem de longe, desde que a produção, circulação, troca e consumo das mercadorias passaram a atender às necessidades reais e imaginárias de uns e outros, desde que uns e outros passaram a deleitar-se ou resignar-se às exigências e delícias das necessidades reais e imaginárias trabalhadas, criadas ou recriadas pela publicidade universal. Nesse momento a experiência se empobrece e a aparência enriquece. (IANNI, 1999, p. 214, grifo nosso).

O cenário contemporâneo que se apresenta, com certeza não é o mais favorável a futuras gerações. O desenvolvimento no mundo global trouxe consigo muitas mudanças no estilo de vida das pessoas na sociedade atual, dando assim, novos contornos ao dia a dia. Isto significa que surge, neste momento, um novo panorama social, a evolução está presente em nosso cotidiano.

Os impactos ambientais causados no espaço urbano, tem como uma de suas causas, o consumo. Os níveis de consumo elevam-se a partir da sociedade moderna e capitalista. Daniela da Rosa Molinari (2015, p. 12), “A sociedade globalizada é marcada por muitos avanços tecnológicos, científicos, pela expansão comercial e da produção. O consumo surge como veículo que propaga este sistema de produção: quanto mais se consome, mais se produz, mais se ganha.”

A crise ambiental se deu através do capitalismo, porém ainda é discutido que esta veio pelos diversos estilos de vida cultural e industrial voltados ao consumo. Portilho destaca (2010, p. 110, grifo do autor):

[…] o debate sobre os padrões de consumo acabou priorizando propostas sobre mudanças tecnológicas de produtos e serviços, instrumentos econômicos e mudanças comportamentais dos consumidores individuais, priorizando uma abordagem tecnicista, economicista, psicologizante e despolitizada. A grande maioria dos debates sobre a relação entre consumo e meio ambiente começou a enfatizar que a necessária melhoria na qualidade ambiental deveria ser atingida através mais da substituição de bens e serviços por outros mais eficientes e menos poluentes, do que através da redução do volume de bens e serviços consumidos […]

A questão era, preservar o meio ambiente em que se vive, sem deixar de progredir economicamente como país. Afinal o governo não é o único responsável, mas também a população em geral, as vezes até mesmo sem perceber, em ações diárias, pode-se de alguma maneira afetar a saúde do planeta e por consequência disso afetar a qualidade de vida.

A sociedade consumista, ao mesmo tempo que caminha na direção das necessidades do mundo moderno, do desenvolvimento econômico e cultural, se depara a enfrentar diversos problemas em relação a natureza humana, atingindo principalmente o meio ambiente urbano e afetando diretamente a qualidade de vida.

O crescimento da população em áreas urbanas fez com que aumentasse significativamente os níveis de consumismo, isso porque as necessidades do homem urbano juntamente com suas atividades, torna-se mais prático à ele, consumir produtos industrializados, usar diversos aparelhos eletrônicos, entre outros produtos que o mercado oferece afim de facilitar a vida do homem moderno, porém, este fator de consumo abusivo está contribuindo na mudança do quadro ambiental, ameaçando a saúde do planeta.

As implicações acerca da obtenção de um ambiente sustentável e com significativa qualidade podem derivar da sociedade dita consumista, atual. Devido aos mais diversos estilos de vida dentro da sociedade, aos avanços tecnológicos, ao consumo excessivo de produtos industrializados, os quais trazem maior comodidade aos cidadãos, no entanto, degradando ainda mais o meio onde vive, prejudicando o equilíbrio dos ecossistemas e a sustentabilidade local.

O avanço no sistema capitalista e industrial, trouxe desenvolvimento econômico e social para o Brasil. Tal avanço trouxe benefícios a sociedade, como por exemplo, o aumento da oferta de empregos, gerando maior renda à parcelas da população, logo, expandindo o consumismo, gerando, então, impactos ambientais. Em relação ao consumo, observa-se o entendimento de Portilho (2010, p. 67):

A abundância dos bens de consumo continuamente produzidos pelo sistema industrial é considerada, frequentemente, um símbolo da performance bem-sucedida das economias capitalistas modernas. No entanto, esta abundância passou a receber uma conotação negativa sendo objeto de críticas que consideram o consumismo um dos principais problemas das sociedades industriais modernas. A partir da construção da percepção de que os atuais padrões de consumo estão nas raízes da crise ambiental, […]

O consumo não sustentável como a produção não sustentável, acentuam a crise ambiental. A má situação em que o meio ambiente (natural, artificial e cultural) se encontram, é reflexo do consumo exagerado, o qual cresce cada vez mais. Portanto, tal crise pode afetar as linhas de produções de bens e serviços, bem como, a economia mundial, visto que as críticas a sociedade de consumo não ficam direcionadas apenas na questão econômica, mas também no viés ambiental, na possibilidade de escassez de bens e recursos naturais.

A sociedade de consumo dos dias atuais é altamente capitalista, uma sociedade mais moderna e voltada às novas tecnologias, e avanço da indústria, trazendo uma nova visão de cultura, o que leva a questionar a atividade de produção e de consumo, tendo ambas as mesmas características, porém, o que as diferencia é o destaque e primazia dado a cada uma. A sociedade de consumo para Portilho (2010, p. 76-77):

O consumidor de hoje é diferente dos consumidores das outras fases da sociedade moderna. Esse estilo de vida baseado na capacidade e na vontade de consumir revela-se como um livre exercício da vontade, onde os consumidores se sentem no comando. Assim, a Sociedade de Consumo pode ser definido a partir não só das diferenças na maneira como as pessoas satisfazem suas necessidades, mas também das diferenças nos sonhos, esperanças e aspirações. […]

No entanto, há entendimentos diferenciados no que tange as políticas de impactos ambientais referente as linhas de produção, nesta questão de sociedade consumista, nas quais se debate, que o consumo vindo pela atividade individual de cada um é insignificante comparando com as atividades organizadas nos setores públicos e privados, segundo Portilho (2010, p. 64), “mesmo considerando o deslocamento da definição da questão ambiental para o consumo, deve-se manter a atenção no modelo produtivo e não simplesmente substituí-la pela análise de comportamentos individuais”.

Diante disso, é possível notar que a sociedade não está buscando satisfazer, apenas, suas necessidades, mas sim, alcançar uma visão diferente de “mundo”, de ver quais são determinados objetivos e quais as posições que serão mantidas em relação a este. Porém, os diferentes estilos de vida contribuem diretamente à degradação ambiental, por isso, se faz necessário que a sociedade leve a vida dentro das possibilidades ecológicas oferecidas pelo meio ambiente.

Os consumidores em geral são os principais responsáveis por este processo no qual o meio ambiente se encontra, porém a ele cabe solucionar tal problemática, sendo que, esclarece Portilho (2010, p. 164), “ações individuais conscientes, bem informadas e motivadas por ‘valores ambientalizados’, aparecem como uma nova estratégia para produzir mudanças em direção à utopia da sociedade sustentável.”

Na esfera das relações sociais, a natureza possui além do valor cultural, o valor material. Nessa seara analisa-se primeiramente o consumo como sendo linhas de produção, onde presume-se o consumidor como uma vítima deste sistema de produção. Num segundo momento, denota-se que consumir é um ato, uma escolha racional e autônoma de cada um. E por último, tem-se o consumo através de uma visão pós moderna, em que o consumidor é atraído pelo poder, pelas escolhas, mas com um consenso material.

Na Terceira Revolução Industrial, após a segunda metade do século 20, depois da Segunda Guerra Mundial, passou-se a ter mudanças no que tange técnicas em produção e avanços na área cientifica, passando a mudar os estilos de vida da população, visto que não é entendido como um problema que a sociedade atual está enfrentando, e dedicam-se apenas nas linhas de produção, o que aumenta a propensão ao consumismo.

Os países que ainda estão em processo de desenvolvimento, já estão enfrentando diversos problemas ambientais, que além de serem gerados pelo grande aumento populacional, é também reflexos da pobreza na qual a sociedade se encontra. Na obra de Portilho (2010, p. 49), a autora traz informações sobre relatório realizado pela ONU:

Dessa forma, o relatório da ONU enfatiza claramente a chamada “poluição da pobreza”, omitindo ou avaliando a “poluição da riqueza”. A questão não é mais apenas o aumento populacional, mas também e principalmente a miséria a que os países do Sul estão condicionados, o que levaria à necessidade de exaustão dos recursos naturais, aumentando a pressão sobre o meio ambiente. […]

É importante que o país cresça e se desenvolva economicamente, cuidando sempre para que isto não se torne um problema ao meio ambiente, logo se faz necessário uma melhora na distribuição de riquezas, para que todos tenham condições de ajudar em termos de desenvolvimento sustentável.

É preciso observar e zelar o ecossistema, conservar os recursos naturais no momento de trazer melhorias a qualidade de vida e ao desenvolvimento humano, para isso deve-se respeitar a saúde dos consumidores, consoante a esta ideia, Édis Milaré (2011, p. 90-91), completa:

No que interessa a situação do Planeta, de cuja a saúde depende a saúde da coletividade humana, a avaliação do papel do Estado não pode ser diferente: pode (e até deve) limitar os hábitos individuais acessórios, ligados ao arbítrio ou a “decisões meramente individuais” sobre o livre consumo de produtos desnecessários ou suntuários – isto para salvaguardar a produção de bens essenciais ou necessários.

É necessário impor limites, no que tange a saúde humana, em relação ao mercado de consumo. Deve-se pensar que as decisões de hoje podem e trarão consequências para o futuro. Nota-se imprescindível tanto da sociedade com do Estado cumprir seu papel moderador com atitudes proativas, a fim de contornar a crise ambiental, visando o bem estar da população, para que esta sinta-se protegida e amparada legalmente.

Além do uso de políticas sociais urbanas para controlar o alto índice de consumo, se faz necessário encontrar meios alternativos para o desenvolvimento da economia. Não obstante, é importante que haja políticas de reciclagem e reaproveitamento de produtos que não são mais utilizados, cuidando assim, da produção de lixo e da demanda por matérias-primas.

A ideia de consumo sustentável vem com o objetivo de diminuir impactos no meio ambiente. Pode ser executada através da mobilização da população, em práticas como diminuir o consumo, tão logo o desperdício, a separação do lixo, bem como a reciclagem. Estes movimentos sustentáveis objetivam a preservação dos recursos naturais, para então atingir um melhor nível de qualidade de vida, protegendo assim, a saúde do planeta.

 

3 A FELICIDADE PARADOXAL E A SOCIEDADE DO HIPERCONSUMO NA CONCEPÇÃO DE GILLES LIPOVETSKY

O consumo existe por diversos motivos, em uma linguagem mais simples, consumir é um gasto em algo inútil ou uma compulsão pela compra, e não realmente uma necessidade. Com a chegada da sociedade global o consumo se intensificou, através da comunicação em mídias, marketing, produções ilusionistas das lojas e mercados. Essa sociedade global contemporânea caracteriza a sociedade de consumo. Segundo Gilles Lipovetsky (2006, p. 159, grifo do autor):

Pode caracterizar empiricamente a “sociedade de consumo” por diferentes traços: elevação do nível de vida, abundancia das mercadorias e dos serviços, culto dos objetos e dos lazeres, moral hedonista e materialista, etc. Mas, estruturalmente, é generalização do processo de moda que a define propriamente. A sociedade centrada nas expansões das necessidades é, antes de tudo, aquela que reordena a produção e o consumo de massa sob a lei da obsolescência, da sedução e da diversificação, aquela que faz passar o econômico para a orbita da forma moda.

Neste momento destaca-se o hiperconsumo como sentimento de felicidade e satisfação pessoal. De um lado o consumidor-ator que vê-se livre para optar pelo produto que desejar, procurando melhorar suas escolhas em relação a qualidade e preço. De outro lado, os prazeres, os modos de vida mostram-se dependentes de um sistema comercial. Quanto mais o hiperconsumo detém um poder, mais o mercado trabalha em para satisfazer os desejos.

A “sociedade de consumo” para Lipovetsky (2015), refere-se a um tipo de consumo materialista, onde o dinheiro é visto como algo superior ao bem da vida. O consumo ainda existe, mas hoje já pode ser visto de uma forma diferenciada “hipermaterialismo”, ou seja, o homem ainda é sedento pelo consumo, porem agora de uma forma mais direcionada.

Esta nova etapa da civilização contemporânea surgiu da evolução do consumo baseado em três fases distintas do consumo. Lipovetsky, (2015, p. 23): “O ciclo I da era do consumo de massa começa por volta dos anos 80 do século XIX e termina com a segunda Guerra Mundial.” Nessa primeira fase o desenvolvimento das maquinas, a padronização das mercadorias bem como o aumento de fluxo já não era mais o suficiente para o nascimento do capitalismo de consumo, Lipovetsky, (2015, p. 24): “mas foi também uma construção cultural e social que exigiu a educação dos consumidores e necessitou do espírito visionário criativos, a mão visível dos gestores.”

A economia de consumo trabalha junto com a ideia de filosofia comercial, com a estratégia de vender mais quantidade com menos margem de lucro. Para Lipovetsky, (2015, p. 25): “O lucro é alcançado, não através do aumento, mas através da redução de preço.” Porém, mesmo que muitos produtos ficaram mais acessíveis aos consumidores, há ainda, muitas famílias que não possuem condições de adquirir produtos inovadores e modernos.

Está presente na fase I a produção em massa (produtos padronizados), os estilosos armazéns que estimulam os consumidores a se interessar pelas novidades no mercado, Lipovetsky, (2015, p. 27): “através de estratégias de sedução que prefiguram as técnicas de marketing modernas.”. Com um cenário que seduz a comprar, assim desculpabilizando o ato da compra. Assim, conforme a fase I, nos tornamos herdeiros fiéis do consumo-sedução e consumo-distração até os dias atuais.

Por volta de 1950 nasce um novo ciclo da sociedade de consumo, onde o consumo se espalha pelos diferentes níveis que a sociedade apresenta. Produtos como por exemplo aparelhos eletrônicos e carros passam a entrar dentro das possibilidades financeiras de um maior número de pessoas. Lipovetsky, (2015, 28): “a fase II apresenta-se como o modelo puro da sociedade do consumo de massa”.

Podemos dizer que a fase I democratizou a compra e a fase II colocou os produtos à disposição de todos na sociedade, aumentando os níveis de consumo e modificando a sua estrutura. A lógica da quantidade ganha ênfase na fase II. Esse segundo ciclo combina a produção fordista e a lógica-moda, que possibilita a resolução de problemas em relação a aumento da produtividade.

Na segunda fase, apresenta-se como sendo uma caraterística forte, o desejo. A felicidade proporcionada pelo ato de consumir e pelo prazer imediato deste. As resistências culturais estão voltadas a vida material, aos desejos da sociedade que se volta a um sentimento de felicidade no ato da compra.

Completando o ciclo, tem-se a terceira fase do consumo, onde em meio a estes novos fatores do consumo, nos vemos mais exigentes em relação a qualidade de vida, a fase na qual podemos fazer nossas próprias escolhas frente a diversidade de ofertas. Lipovetsky, (2015, p. 36, grifo nosso):

[…] o consumo constrói-se cada dia um pouco mais em função de finalidades, gostos e critérios individuais. É a era do hiperconsumo, fase III da comercialização moderna das necessidades, orquestrada por uma lógica desinstitucionalizada, subjetiva, emocional.

A chamada fase III traz a ideia de consumo experiencial. Lipovetsky coloca em questão os críticos dos anos 1960-1970, sobre a lógica de uma diferenciação social. Já era hora de se pensar os objetos como desejáveis e atrativos em si mesmos. A banalização do acesso aos bens de mercado e as desregulações de classe trouxeram uma liberdade maior aos indivíduos que não estariam mais presos em hábitos, e por isso mesmo, imprevisíveis no refere-se ao consumo. Lipovetsky, (2015, p. 37): “A fase III em que o valor recreativo se sobrepõe ao valor honorífico, em que a conservação do indivíduo se sobrepõe à comparação provocante, o conforto sensitivo à ostentação.”

Anuncia-se a chegada do hiperconsumo orquestrada por uma lógica mais subjetiva e emocional. Lipovetsky, (2015, p. 36): “O consumo ‘para si’ suplantou o consumo ‘para o outro’”; dessa forma, pavonear-se não seria mais o motivo primordial para a obtenção de bens, mas outros motivos sensoriais e estéticos de satisfação emocional e corporal – consumo emocional.

Aquilo que designo por ‘consumo emocional’ não corresponde totalmente aos produtos e ambientes que mobilizam explicitamente os cinco sentidos. Trata-se de uma expressão que designa, à margem dos efeitos de uma tendência de marketing, a forma geral que assume o consumo quando o ato de compra, já não comandado pela preocupação conformista relativamente ao outro, adquire uma lógica desinstitucionalizada e interiorizada, baseada na procura de sensações e de um melhor-estar subjetivo. A fase III traduz uma nova relação dos indivíduos com os artigos que instituem o primado da sensação, a mudança da significação social e individual do universo do consumo que acompanha o impulso de individualização das nossas sociedades. (LIPOVETSKY, 2015, p. 39)

Nesse sentido, o consumo está cada vez mais individualizado e as composições que cada um faz a partir das oportunidades que lhes são oferecidas pelo mercado. Houve uma libertação em relação ao espaço-tempo. Além de ter se tornado mais acessível encontrar produtos no mercado para consumir, tornou-se comum a compra virtual, a qual tem ganhado cada vez mais espaço nas relações econômicas. A relação com o vendedor se esvaiu completamente e, ao invés de consumidor tem-se um “ciberconsumidor”. Lipovetsky descreve como homo consumericus para designar o consumidor da terceira fase. O consumidor dessa fase livra-se de uma submissão ao grande grupo e adentra em uma nova era do consumo global, onde não existem barreiras entre lugares, culturas, etnias, religião, pois todos fazem parte do fluxo mercantil.

O consumo de massa não cresceu num terreno por cultivar. Foi contra todo um conjunto de usos, costumes e mentalidades pré-modernas que a nova forma de consumo se impôs e difundiu. Esta época de modernização-racionalização com raízes num sistema que lhe era posto instituiu-se, tendo agora desaparecido o antagonismo que existia entre as normas modernas do consumo e as tradições. A fase III pode ser definida como o momento em que a mercantilização dos modos de vida deixa de encontrar resistências culturais e ideológicas estruturais, em que tudo que restava de oposição cedeu às sereias do consumo. Vive-se uma era em que todas as esferas da vida social e individual se encontram, de uma forma ou de outra, reorganizadas segundo os princípios das regras consumistas. (LIPOVETSKY, 2015, p. 109).

Diante dessas mudanças da sociedade em relação ao consumo e ao hiperconsumo, fez com que os indivíduos pareçam desnorteados na evolução social, e assim, precisam assegurar-se que estão confiando em algo seguro, algo que possa amenizar suas ansiedades. Neste ponto, Lipovetsky (2015) nos coloca acerca dos cuidados com a saúde e com corpo, assim como as despesas com o lazer, está presente um período onde as pessoas estão muito mais preocupadas consigo mesmo e com o prazer das experiências, ganhando destaque o turismo planejado, onde a experiência vivida traz sensações de prazer em viver.

Logo, Por sua vez, o mercado passa a funcionar com o novo sistema de “produção personalizada em massa” que exige diversidade e rapidez na produção de bens, para assim, conseguir suprir as demandas da sociedade. Neste período também ganha destaque a indústria cultura, como músicas, livros e vários outros produtos dessa categoria. Alimentando o consumismo, usa-se a estratégia de trazer inovação, pois os modelos dos produtos renovam-se rapidamente.

Conclui que a atual sociedade do hiperconsumo deve criar formas de sustentabilidade, não negativa como se vem observando, mas sim, de forma responsável. O destino da sociedade, na qual a felicidade levaria a uma contínua produção de dilemas e à necessidade de reinvenção da felicidade e da busca pela alegria de viver, o que nem sempre poderá ser dado ao homem como consequência de suas buscas. E sendo assim, a felicidade é reinventada a cada dia, pois as necessidades pessoais de qualidade de vida, as satisfações dos desejos íntimos de bem viver, mudam ao passar do tempo, dessa forma, torna-se viável reajustar a ordem do hiperconsumo para não desviar os horizontes da vida.

 

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Através da presente pesquisa abordou-se a temática da sociedade do consumo e do hiperconsumo e as suas consequências da sociedade contemporânea. Trouxe aspectos acerca de como as relações de consumo contribuíram para a instalação da crise ambiental mundial. Posteriormente, conduzindo o estudo para a nova fase do capitalismo global do desejo: A chegada da era do Hiperconsumo.

Fora realizada análise das mudanças na vida das pessoas dentro da sociedade atual. E, o que restou demonstrado é que o avanço da indústria e das tecnologias trouxeram mais praticidade para o dia a dia das pessoas. O sistema de produção trabalha para satisfazer as necessidades de consumo da população, acarretando em uso exagerado de produtos industrializados. Fica claro que, atualmente, o aumento da produção de lixo urbano é um sério problema enfrentado pelas cidades, e ainda, com o aumento populacional aliado a uma sociedade consideravelmente consumista, além do aumento no acúmulo de resíduos sólidos, tem-se como agravante, os problemas ambientais urbanos.

O Direito Ambiental é um previsto constitucionalmente como um direito fundamental da pessoa humana. Ambiente saudável é aquele no qual os cidadãos sentem-se em perfeita harmonia com o lugar onde vivem. Porém, o meio ambiente seja ele natural ou artificial está sofrendo cada vez mais as consequências advindas da sociedade moderna, devido aos novos comportamentos e ao padrão de vida que se vem levando nos centros urbanos. A relação de consumo desenfreada e a chamada “era do hiperconsumo” acarreta em danos à natureza, pois gerou-se um grande ciclo vicioso, onde se produz para se consumir e se consome para produzir.

Desta forma a consciência ambiental ecológica torna-se importantíssima para que o mundo possa construir novos caminhos para a humanidade, garantindo o desenvolvimento sustentável e a sonhada qualidade de vida para as presentes e futuras gerações. Conclui-se que a sociedade contemporânea do hiperconsumo deve criar formas de sustentabilidade responsável. O destino da sociedade é o pós-hiperconsumo, na qual o desejo da felicidade leva-se a uma necessidade de reinventar a felicidade e a busca pela alegria de viver.

 

REFERÊNCIAS

  • IANNI, Octavio. Teorias da globalização. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999.
  • LIPOVETSKY, Gilles. A Felicidade Paradoxal: Ensaio sobre a Sociedade do Hiperconsumo. trad. XAVIER, Patrícia. 2. reimp. Lisboa/Portugal: Edições 70, 2015.
  • LIPOVETSKY, Gilles. O Império do Efêmero: A Moda e seus Destinos nas Sociedades Modernas. trad. MACHADO, Maria Lucia. 9. reimp. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
  • MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.
  • MOLINARI, Daniela da Rosa. Entre O Luxo E O Lixo: Desafios Da Sociedade De Consumo Na Gestão Dos Resíduos Sólidos. 2015. 156 f. Dissertação (Mestrado em Direitos Humanos) – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, Ijuí, 2015. Disponível em: http://bibliodigital.unijui.edu.br:8080/xmlui/bitstream/handle/123456789/4362/Daniela%20da%20Rosa%20Molinari.pdf?sequence=1. Acesso em: 04 ago.2017.
  • PORTILHO, Fátima. Sustentabilidade Ambiental, Consumo e Cidadania. São Paulo: Cortez, 2010.


Notas:

[*] Ponencia presentada en el marco del Coloquio de Derechos Humanos del Departamento de Derecho UNS llevado a cabo en el mes de abril en 2019 en la UNS.

[1] Ana Maria Foguesatto es Mestranda e Bolsista CAPES do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direito – Curso de Mestrado em Direitos Humanos da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ; Graduada em Direito pela UNIJUÍ. E-mail: anafoguesatto@hotmail.com.

[2] Daniel Rubens Cenci es Doutor do Departamento de Ciências Jurídicas e Sociais e Professor do Curso de Mestrado em Direito da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUÍ. E-mail: danielr@unijui.edu.br.

 

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