A aplicação da teoria da imputação objetiva aos delitos de perigo abstrato. Por Flávio Ribeiro da Costa

Nesse contexto, a introdução dos princípios de imputação objetiva poderia representar um importante avanço teórico, porquanto oferece parte dos princípios que são necessários para uma valoração orientada à legitimação dos diversos tipos de crime.[1] Com efeito, a teoria da imputação objetiva[2] ocupa o núcleo central da teoria funcional do delito.[3] Com ela, a doutrina pretende-se solucionar todos os problemas dogmáticos que se colocam no âmbito do tipo objetivo.[4]

Parece que o núcleo central da teoria do delito, desde o neokantismo até o funcionalismo moderno, tem sido a busca de critérios normativos que unissem o resultado à ação que lhe é causamente ligada, com vistas à caracterização da tipicidade.[5]

Para o positivismo naturalista o conceito de causalidade ocupava o núcleo central da teoria do delito. O injusto era a causação voluntária de uma modificação no mundo exterior. O neokantismo, diante da insuficiência desse enfoque neutro e avalorado dos problemas jurídico-penais, promoveu uma autêntica reorientação da teoria do delito ao significado valorativo dos conceitos jurídicos, mas não a ponto de deslocar a teoria da causalidade de sua posição de proeminência na teoria do delito, de tal sorte que muitos os designarem de teoria causal-valorativa. [6]

Esse enfoque valorativo conduziu a teoria do delito a advertir que os resultados imprevisíveis deveriam excluir o injusto, não porque não foram causados pela conduta do autor, como queria a teoria da causalidade adequada, mas porque lhe faltava um autêntico sentido jurídico-penal.[7] A teoria do delito deve ir mais além da descrição científica de fatos naturais, para anuir à sua compreensão.[8] O tipo de crime passou a ser compreendido materialmente, deixando de ser a descrição de uma modificação no mundo exterior, para tornar-se descrição de uma ação socialmente lesiva, e somente nessa medida, juridicamente relevante ou antijurídica.[9] Para a teoria da relevância jurídica, o alcance e o conteúdo da incriminação legal somente poderão ser extraídos da compreensão teleológica de cada tipo de crime.[10]

 

O finalismo, ainda que se opusesse frontalmente ao pensamento positivista, não o combateu no âmbito do tipo objetivo.[11] Com a teoria final da ação, a discussão sobre o alcance das normas incriminadoras retrocedeu-se, novamente, ao plano ontológico.[12] As categorias do delito são referidas a conceitos pré-jurídicos, obtidas por dedução – ação, dolo, livre arbítrio, etc.. Nesse sentido, o tipo objetivo manteve-se intacto, continuou demasiadamente extenso. A ele, acrescentou-se um componente subjetivo, o dolo, que passou a ser a espinha dorsal do delito.[13]

 

Por sua vez, a teoria da imputação objetiva[14] promoveu uma verdadeira revolução no âmbito do tipo objetivo,[15] exigindo, ao lado da causação da lesão ao bem jurídico, que esta lesão surja como conseqüência da criação de um risco juridicamente desaprovado e da realização deste risco no resultado. [16]

 

A compreensão teleológica dos conceitos, e a conseqüente materialização das categorias do delito, contribuições permanentes do neokantismo, são resgatadas, mas agora sob outro ponto de vista. Os valores que dão sentido e conteúdo às elementares do delito não decorrem da lógica intrínseca do sistema, ou seja, do próprio direito, mas são obtidos a partir dos postulados político-criminais abrigados pela Ordem Constitucional. Nesse sentido, tem-se qualificado a teoria da imputação objetiva como um desenvolvimento ulterior do neokantismo.[17]

 

Em síntese, para a teoria da imputação objetiva,

Um resultado causado pelo agente só deve ser imputado como sua obra e preenche o tipo objetivo unicamente quando o comportamento do autor cria um risco não permitido para o objeto da ação (1), quando o risco se realiza no resultado concreto (2) e este resultado se encontra dentro do alcance do tipo (3).[18]

Vê-se, pois, que a teoria da imputação objetiva foi desenvolvida a partir da inaptidão da teoria da equivalência dos antecedentes causais, e também das que a sucederam, para estabelecer as hipóteses de incidência da norma penal. Por esta ótica, o tema relação de causalidade está intimamente relacionado com a teoria da imputação objetiva, que se assenta basicamente na relação de possibilidade de se imputar um resultado a alguém que efetivamente concorreu de forma relevante para sua produção, conforme os critérios normativos próprios do Direito Penal.[19] Nesse sentido, a moderna teoria da imputação objetiva é um modelo aperfeiçoado e extremamente rico das teorias corretiva da causalidade, [20] ou mais exatamente, da teoria da relevância jurídica.[21]

 

            Os princípios basilares da teoria da imputação objetiva, tanto os de primeiro como segundo nível – criação do risco, incremento do risco, âmbito de alcance da norma, competência da vítima, etc. – foram desenvolvidos com o fim de traçar de modo preciso o legítimo alcance dos crimes de resultado lesivo – crimes pobres, em sentido normativo -, os quais eram extraordinariamente ilimitados em nível de mera causalidade. No entanto, um setor cada vez mais expressivo da doutrina deixou de ver os princípios de imputação objetiva como meros corretivos da concepção causal dos tipos de resultado, para lhes atribuir uma função de reconstrução do conteúdo de todos os tipos de crime, a partir de critérios normativos de sentido,[22] que se qualificariam, todos eles, como critérios de imputação objetiva.[23]

 

            Nesse espeque, o primeiro e principal papel da teoria da imputação objetiva é assinalar o desvalor objetivo da conduta, de tal sorte que a imputação objetiva seria uma verdadeira teoria geral de imputação de responsabilidade,[24] ou porque constitui o aparato dogmático que oferece os critérios de determinação das propriedades objetivas e gerais de um comportamento típico,[25] ou porque é a conseqüência natural de uma concepção normativa da ação.[26]

 

Nesse sentido, defende-se expressamente a aplicação da teoria da imputação objetiva aos delitos de mera atividade e aos delitos de perigo abstrato – que guardaria uma relação gênero-espécie, assinalando-se que o juízo de imputação não apenas é composto pela imputação objetiva do resultado – primeiro nível de imputação, mas também pela imputação objetiva do comportamento – segundo nível de imputação. [27]

 

                        Os crimes de perigo abstrato permaneceriam no primeiro nível de imputação. Em todo caso, à configuração concreta do tipo da tipicidade seria necessário constatar a criação de um risco juridicamente desaprovado, analisado sob a perspectiva ex ante, ou seja, sem considerar a presença ou não de um objeto típico no possível raio de alcance da conduta, o que constitui algo mais que exigir a mera perigosidade geral de uma classe de comportamentos – diferenciando-se, assim, das teses formais -, porém não implica requerer a comprovação ex post da realização do perigo, âmbito reservado para os crimes de resultado – resultado de perigo ou resultado de lesão.[28] Também seria possível excluir o injusto das condutas formalmente caracterizadas como infrações de perigo abstrato a partir de critérios extranormativos relevantes para a demarcação de condutas injustas de condutas penalmente irrelevantes, como o princípio da confiança, a atuação da vítima, regulamentações comunitárias, etc.. [29]

 

                        Essa noção parte da noção de que a teoria do delito seria uma teoria da imputação, uma teoria que tem por objeto os critérios mediante os quais a sociedade imputa tipos de crime a determinadas pessoas. Todos os elementos do delito (tipo objetivo, tipo subjetivo, injusto, culpabilidade) seriam elementos que se imputam, e, num ordenamento jurídico que impõe sanções, isso sempre implicaria um juízo de desvalor.[30]

 

                        Nesse sentido, a teoria da imputação objetiva se encartaria num amplo processo de determinação da responsabilidade penal e consistiria, basicamente, na determinação do sentido social da ação. O que é ou não é um delito não depende do conteúdo da ação, nem do sentido que lhe imprime seus protagonistas, mas sim do significado desta ação para o sistema social, de suas conseqüências comunicativas para o sistema social ou do sentido comunicativo que a sociedade lhe outorgue.[31]        

 

                        Em verdade, esses postulados constituem apenas uma expressão genérica de considerações mais profundas acerca das questões de legitimação da intervenção penal.[32] É evidente que os princípios de desaprovação e proibição das condutas desempenham um papel fundamental nesta relação de imputação. Mas isso não os converte em princípios de imputação em sentido estrito.[33]

 

                        Boa parte dos problemas tratados no âmbito da imputação objetiva não constitui autênticos problemas de imputação, mas questões afetas à definição da conduta proibida, que precedem as considerações relativas à imputação em sentido próprio.[34] O caráter antijurídico ou jurídico de um comportamento não pode ser definido a partir de critérios de imputação de resultados – resultado separado ou resultado imanente à conduta, como quer Mir Puig -, mas a partir da avaliação da conduta em face das exigências do Direito, expressas em normas. [35]      

                                                                      

                        Não satisfaz as exigências de um bom método – e também da lógica – afirmar que um sujeito leva a cabo um comportamento injusto quando se lhe pode imputar um comportamento injusto. Além disso, também é um erro metodológico partir do resultado, imputando-o a uma conduta, antes de examinar se esta preenche os requisitos de tipicidade, pois os tipos de resultado requerem, para a punição do delito consumado, um resultado típico, ou seja, causado por uma conduta típica.[36]

 

                        Uma conduta é injusta porque viola ou infringe os limites preestabelecidos pelo Direito à liberdade de atuação. A possibilidade ou não de imputar uma conduta a um sujeito, como obra sua, não diz nada a respeito de sua licitude ou ilicitude.[37] O juízo de imputação deve pressupor o caráter incorreto do comportamento. Assiste plena razão a Frisch quando este adverte da necessidade de se distinguir o juízo objetivo e normativo de desvalor da conduta do juízo de imputação do resultado causado pelo comportamento juridicamente desaprovado.[38]

 

                        Antes de se estabelecer a questão de poder-se ou não imputar a um sujeito negativo, há que se decidir se existe algo negativo a imputar em dito fato.[39] Em trabalho recente, o próprio Jakobs tem reconhecido que a distinção entre conduta permitida e conduta proibida pode ser reconduzida à distinção entre conteúdo da norma ou não-conteúdo da norma, propondo ainda substituição do slogan imputação objetiva pela expressão teoria do significado do comportamento.[40]

 

                        Com efeito, o juízo de tipicidade supõe uma decisão especificamente normativa a respeito de se uma conduta está abarcada pelo tipo penal que se interpreta.[41]Nesse plano não interessa descobrir o sentido imanente a conduta, seu significado para o autor ou para a sociedade, mas estabelecer, desde o plano normativo, se concorrem as razões que legitimam a proibição penal de tal ação, tendo em vista seu caráter perturbador.[42] Seria sumamente estranho estender o a imputação objetiva à comprovação de elementos específicos do tipo penal – documento público, coisa alheia, funcionário, etc.. Esses elementos delimitam o alcance da proibição típica, que constitui o primeiro objeto a imputar e deve distinguir-se das condições que permitem conectar (imputar) este objeto a um sujeito. [43]

 

                         A importância dessa distinção radica na circunstância de que os juízos de desvaloração e o de imputação devem partir têm fundamento e pressupostos próprios.[44] À sua esfera de atuação pertencem principalmente conceitos ligados à idéia de adequação social e de risco permitido, nos quais se manifesta especificamente a valoração de comportamentos a partir de regras que demarcam os limites da liberdade de atuação. Nela está demarcado o papel principal da teoria do delito: estabelecer quando, e em que condições, uma conduta humana é juridicamente proibida, tendo em vista os princípios e as finalidades do Direito Penal.[45]

 

                        Nem tudo que é proibido para o direito em geral, também o é para o Direito Penal. Este atua sob o influxo de outros princípios e visando a outros fins, diversos daqueles que informam as demais instâncias jurídicas.[46] Nesse sentido, o ilícito penal é um ilícito especialmente qualificado, porque justifica a imposição de uma sanção aflitiva, importa no mais intenso juízo de reprovação penal. A violação de uma norma de conduta qualquer nem sempre implica a violação de uma norma penal.[47]

 

                        Casos que normalmente são tratados sob a rubrica de imputação de resultados (ou mesmo imputação de comportamento) são, em verdade, problemas próprios da teoria do comportamento típico. Rigorosamente, a teoria da imputação objetiva não constitui uma autêntica teoria do injusto penal ou, mais exatamente, do injusto típico, no sentido de que sua missão não é apreender o caráter juridicamente proibido da conduta, uma vez que deve pressupor a incorreção do comportamento para que este seja imputado.[48]

 

                        À teoria da imputação objetiva em sentido próprio,[49] cabe a tarefa de determinar quando um sujeito que tenha realizado uma conduta juridicamente desaprovada deve ser punido pelo delito consumado, quando o tipo penal requer para a sua consumação a produção de um resultado separado no tempo e no espaço da conduta incriminada. Só nessa medida, é correto dizer que a teoria da imputação objetiva é aplicável aos crimes de perigo abstrato, uma vez que há delitos de perigo abstrato de resultado, como é o caso dos crimes de falso – moeda falsa, falsificação de documentos, etc..[50] A Doutora Schulenburg,[51] quem melhor cuidou do tema relativo ao âmbito de aplicação da imputação objetiva – como teoria de imputação de resultados –, fornece como exemplo uma das modalidades do crime de incêndio tipificadas no Código Penal Alemão. O Estatuto Repressivo Tedesco pune com pena privativa de liberdade não menor que um ano, quem des
truir total ou parcialmente por meio de incêndio ou quem coloque fogo em: 1) edifício, barco, cabana ou outro local destinado à habitação de pessoas; 2) igreja ou outro edifício destinado ao exercício do culto religioso; 3) local que se destine temporariamente à permanência de pessoas, no período durante o qual estas pessoas devam nele permanecer (§ 306a StGB).[52]

 

                        Ao contrário do que faz o art. 250 do Código Penal Brasileiro, o § 306a do Código Penal Alemão não exige que a vida, a integridade física e o patrimônio de alheios sejam expostos a perigo.[53] Cuida-se, pois, de crime de perigo abstrato e crime de resultado. O incêndio, como abrasamento total ou parcial de um, com forte poder de destruição e de causação de prejuízos, se caracteriza como uma entidade real e sensível, destacada da conduta, objeto de perícia.[54] Desta feita, o resultado incêndio deve ser imputado ao agente como obra sua, como decorrência de uma conduta juridicamente desaprovada.[55] Nesse campo, deve-se analisar questões afetas à causalidade, realização do risco no resultado, ou seja, analisar os fatos sob a perspectiva ex post, levando-se em conta todos as circunstâncias presentes.[56]

 

                        Nesses casos, ou seja, nos crimes de resultado, sejam eles crimes de dano, de perigo concreto ou de perigo abstrato, cabe à teoria da imputação objetiva assinalar as condições sob as quais o resultado desaprovada pode ser atribuída ao sujeito. Essas condições nada têm que ver com o caráter delitivo ou não do comportamento, mas apenas com a possibilidade de assinalar a existência de certas propriedades da conduta que permitem atribuí-la ao sujeito como causa livre da infração da norma.[57]

                       

            Em todo caso, os estudos e as reflexões levados a cabo pela teoria da imputação objetiva fornecem princípios e instrumentos teóricos de vital importância para a solução das questões de que cuida o presente trabalho, uma vez que os partidários desta teoria foram os que mais se ocuparam em compreender o crime a partir de critérios normativos de sentido, embora os rendimentos obtidos a partir dessas considerações sejam limitados, em razão de seu conteúdo e dos objetivos específicos para os quais foram idealizados.[58]

 

                        Nesse sentido, questões relacionadas com a criação do risco, risco permitido, âmbito de proteção da norma, princípio da confiança, proibição de regresso, etc., serão fundamentais para a perfeita compreensão dos crimes de perigo abstrato em suas diversas modalidades. Conforme já assinalado, esses postulados constituem a expressão genérica de considerações mais profundas relativas aos legítimos limites da intervenção penal. Apenas não são princípios de imputação objetiva em sentido estrito.[59]

 

Notas:

[1] FRISCH, Wolfgang. Bien jurídico, derecho, estructura del delito e imputación en el contexto de la legitimación de la pena estatal, p. 327.

[2] Os finalistas, inclusive, negam o caráter de teoria à imputação objetiva do resultado, ao argumento de que seus postulados são um amontoado anárquico de soluções casuísticas. A teoria da imputação objetiva não configuraria um corpo de proposições homogêneas, mas um conjunto de princípios delimitadores da tipicidade. Não obstante, os “modernos finalistas” consideram que há algo de valioso no âmbito da teoria da imputação objetiva, ainda que não isento de críticas: o chamado primeiro nível de  imputação objetiva, denominado por alguns de imputação do comportamento. SANCINETTI, Marcelo. Observaciones sobre la teoria de la imputación objetiva, p. 562.

[3] JAKOBS, Gunther. Derecho Penal – parte general, p. 224. CANCIO MELIÁ, Manuel. La Teoría de la Imputación Objetiva y la Normativización del Tipo Objetivo, p. 122 e 146.

[4] Bastante crítico com relação a essa pretensão: SANCINETTI, Marcelo. Subjetivismo e imputación objetiva en derecho penal, p.85.

[5] Tório Lopez fala em nexo de antijuridicidade entre ação e resultado. TÓRIO LOPEZ, Angel. Natureza y âmbito de la teoria de la imputación objetiva, p. 33. 

[6] Sobre as conclusões equivocadas que dessa assertiva se pode extrair.

[7] MIR PUIG, Santiago. Significado e alcance da imputação objetiva em direito penal, p. 175. FRISCH, Wolfgang. Comportamiento Típico e Imputación Del Resultado, p. 26.

[8] MIR PUIG, Santiago. Significado e alcance da imputação objetiva em direito penal, p. 174-175.

[9] Matar é algo mais que por em marcha as condições necessárias para o evento morte. Somente uma consideração orientada ao tipo pode distinguir aquilo que é relevante daquilo que não importa para o Direio Penal. FRISCH, Wolfgang. Comportamiento Típico e Imputación Del Resultado, p. 26-28.

[10] GRECO, Luís.  Funcionalismo e Imputação Objetiva no Direito Penal, p. 29. BUSTOS RAMIREZ, Juan. Imputación objetiva y bien jurídico, 389-390.

[11] MIR PUIG, Santiago. Significado e alcance da imputação objetiva em direito penal, p. 175

[12] MIR PUIG, Santiago. Significado e alcance da imputação objetiva em direito penal, p. 175.

[13] ROXIN, Claus. A teoria da imputação objetiva, p. 102.

[14] Para Sancinetti, assim como para os modernos finalistas, A teoria da imputação objetiva não é, propriamente, uma teoria, no sentido de um corpo harmônico e coerente de proposições teóricas homogêneas. É mais um amontoado de princípios delimitadores ou corretivos da tipicidade, principalmente das condutas descritas de modo vago e impreciso pelo legislador, sem mencionar outra coisa que não um resultado lesivo. Há, porém, algo de valioso e homogêneo no âmbito dA teoria da imputação objetiva: a exigência de que a ação tenha criado um risco juridicamente relevante para o resultado. Sancinetti assinala que, mesmo para um subjetivista, como ele, estabelecer o risco proibido no marco do tipo objetivo tem inestimável importância, na medida e que o dolo outra coisa não é senão reflexo dos conhecimentos que tem o autor sobre o tipo objetivo. Assim, à teoria da imputação objetiva cabe estabelecer o marco to penalmente proibido, que em todo caso é definido pelo dolo. Sancinetti centra seus estudos sobremaneira nas relações existentes entre A teoria da imputação objetiva e a teoria final da ação. A teoria da imputação objetiva deve ser entendida como teoria da imputação do comportamento, cujo papel é estabelecer quando um sujeito violou a norma em seu aspecto objetivo. Nessa alheta, entende que A teoria da imputação objetiva, enquanto imputação de comportamento é perfeitamente compatível com os postulados finalistas, visto que os finalistas outra coisa não fazem senão promover a subjetivação do tipo objetivo como fundamento do injusto. Essa subjetivação não interfere naquilo que se quer subjetivar, ou seja, não altera a natureza do tipo objetivo, apenas o coloca como pressuposto do dolo. SANCINETTI, Marcelo. Subjetivismo e imputación objetiva en derecho penal, p. 94 e ss. SANCINETTI, Marcelo. Observaciones sobre la teoria de la imputación objetiva, p. 578 e ss.. Com a acuidade de sempre, o professor Fábio Guedes leciona que “não basta à doutrina filiar-se à teoria da imputação objetiva e permanecer fiel aos demais postulados finalistas ou causalistas, desfigurando o método com ignomínias. É necessário realizar-se uma profunda reflexão, pois que uma teoria que não
se sustenta ante as críticas que lhe são formuladas, constitui-se como ilegítima face do Direito Penal.” PAULA MACHADO, Fábio Guedes de. A teoria da imputação objetiva (Zurechnung) e a Fidelidade ao Método. Disponível na internet: www.direitocriminal.com.br.

[15] CANCIO MELIÁ, Manuel. La Teoría de la Imputación Objetiva y la Normativización del Tipo Objetivo, p. 122.

[16] ROXIN, Claus. A teoria da imputação objetiva, p. 101-102

[17] BUSTOS RAMIREZ, Juan. Imputación objetiva y bien jurídico, p. 391-392. MIR PUIG, Santiago. Significado e alcance da imputação objetiva em direito penal, p. 175. GRECO, Luís.  Funcionalismo e Imputação Objetiva no Direito Penal, p. 30.

[18] Esses critérios são em seguida detalhados. Nesse sentido fala-se em diminuição do risco, risco permitido, fim de proteção da norma de cuidado, atribuição ao âmbito de responsabilidade alheio. ROXIN, Claus. A teoria da imputação objetiva, p. 104.

[19] Assim: PAULA MACHADO. Fábio Guedes de. A teoria da imputação objetiva (Zurechnung) e a Fidelidade ao Método. Disponível na internet: www.direitocriminal.com.br

[20]  Juarez tavares considera que … TAVARES, Juarez. Teoria do injusto penal, p. xx.

[21] FRISCH, Wolfgang. Comportamiento Típico e Imputación Del Resultado, p. 33-34.

[22] MIR PUIG, Santiago. Significado e alcance da imputação objetiva em direito penal, p. 180.

[23] Para Tório Lopez a imputação objetiva aparece como um elemento teleológico, que não se confunde com os problemas de causalidade. Enquanto nesta se questiona a relação causa-efeito, A teoria da imputação objetiva tem por objeto a relação meio-fim existente entre a ação e as conseqüências lesivas. Para Tório Lopez, o conceito de imputação objetiva descansa sobre a ação perigosa, ou seja, sobre as propriedades da ação que permitem considerá-la como fonte de um perigo possível. TÓRIO LOPEZ, Angel. Natureza y âmbito de la teoria de la imputación objetiva, p. 37. No sentido aqui exposto: FRISCH, Wolfgang. Comportamiento Típico e Imputación Del Resultado, p. 48 e ss..

[24] TÓRIO LOPEZ, Angel. Natureza y âmbito de la teoria de la imputación objetiva, p. 43. No mesmo sentido: CAMARGO, Antônio Luís Chaves. Imputação objetiva e direito penal brasileiro, p. 71 e 190.

[25] TÓRIO LOPEZ, Angel. Natureza y ambito de la teoria de la imputación objetiva, p. 42 e 43. MENDONZA BUERGO, Blanca. La configuración del injusto (objetivo) de los delitos de peligro abstracto, p. xx. 

[26] JAKOBS, Gunther. Derecho Penal – parte general, p. 224. Aliás, para JAKOBS toda a teoria do delito, transforma-se numa teoria da imputação, conforme dessume-se do subtítulo de seu manual. O mestre de Bonn chega a afirmar que o direito penal só considera ação enquanto ação imputável. JAKOBS, El concepto jurídico-penal de acción, p. 101 e ss.. Para JAKOBS o juízo de tipicidade, determinado através da imputação do comportamento, comportaria quatro critérios: risco permitido; princípio da confiança; auto-exposição ao risco pela própria vítima e proibição de regresso. JAKOBS, Günther. La imputación objetiva en derecho penal, p. 105 e ss. CANCIO MELIÁ, Manuel. La Teoría de la Imputación Objetiva y la Normativización del Tipo Objetivo, p. 129 e 146.

[27] TORÍO LÓPEZ, Angel. Los delitos de peligro hipotético (Contribución al estudio diferencial de los delitos de peligro abstracto), p. xx. CAMARGO, Antônio Luís Chaves. Imputação objetiva e direito penal brasileiro, p. 71 e 190. MIR PUIG, Santiago. Significado e alcance da imputação objetiva em direito penal, p. 196. Advirta-se que nem todos aqueles que entendem que a idéia de imputação permeia todo o Direito Penal defendem a aplicação dos tradicionais critérios específicos de imputação objetiva aos crimes de perigo abstrato. Assim, por exemplo, o próprio Jakobs, que na análise dos problemas suscitados pelos crimes de perigo abstrato utiliza-se de instrumentos normativos também utilizados nA teoria da imputação objetiva – risco indominável, princípio da confiança, etc., a demonstrar que tais institutos não são autênticos problemas de imputação, como vem reconhecendo ultimamente.

[28] MENDONZA BUERGO, Blanca. La configuración del injusto (objetivo) de los delitos de peligro abstracto, p. 76-77. MIR PUIG, Santiago. Significado e alcance da imputação objetiva em direito penal, p. 196. Como cediço para A teoria da imputação objetiva não haverá imputação nos casos de diminuição do risco, ou seja, quando o autor modifica o curso causal de tal forma que ameniza ou diminui o risco concreto existente para a vítima, e, portanto, melhora a situação do bem jurídico. Esse raciocínio poderia conduzir a exclusão da tipicidade com relação ao crime de prevaricação ou malversação de verbas públicas – arts. 312 e 315 do Código Penal – nos casos que o agente público da finalidade diversa da estabelecida em lei à verba pública, mas o faz para garantir a prestação de um serviço público essencial, sem que houvesse outros meios – por exemplo, deixa de construir um viaduto para reformar as instalações de uma creche que fora incendiada. A doutrina tradicional quer ver em casos semelhantes situações justificantes – estado de necessidade.

[29] Assim o faz Jakobs. JAKOBS, Gunther. Derecho Penal – parte general, p. 224. JAKOBS, El concepto jurídico-penal de acción, em: Estudios, p. 101 e ss.. CANCIO MELIÁ, Manuel. La Teoría de la Imputación Objetiva y la Normativización del Tipo Objetivo, p. 129. Para Tório Lopez, o conceito de imputação objetiva descansa sobre a ação perigosa, ou seja, sobre as propriedades da ação que permitem considerá-la como fonte de um perigo possível. TÓRIO LOPEZ, Angel. Natureza y âmbito de la teoria de la imputación objetiva, p. 34. Parece que o professor espanhol parte das premissas erradas para concluir, corretamente, que o direito penal não deve alcançar condutas que, em concreto, não ostentem um mínimo de perigo para o bem protegido. Premissas erradas porque questões afetas ao desvalor objetiva da conduta não constituem problemas de imputação objetiva.

[30] CAMARGO, Antônio Luís Chaves. Imputação objetiva e direito penal brasileiro, p. 190.

[31] ROBLES PLANAS, Ricardo. Normatividad e imputación objetiva: respuesta a la recensión de Feijóo Sánchez a Frisch/Robles Planas, Desvalorar e Imputar (2005), p. 5.

[32] FRISCH, Wolfgang. Bien jurídico, derecho, estructura del delito e imputación en el contexto de la legitimación de la pena estatal, p. 328.

[33] FRISCH, Wolfgang. Bien jurídico, derecho, estructura del delito e imputación en el contexto de la legitimación de la pena estatal, p. 328.

[34] FRISCH, Wolfgang. Comportamiento Típico e Imputación Del Resultado, p.50.

[35] ROBLES PLANAS, Ricardo. Normatividad e imputación objetiva: respuesta a la recensión de Feijóo Sánchez a Frisch/Robles Planas, Desvalorar e Imputar (2005), p. 4.

[36] FRISCH, Wolfgang. Comportamiento Típico e Imputación Del Resultado, p. 50. ROBLES PLANAS, Ricardo. Normatividad e imputación objetiva: respuesta a la recensión de Feijóo Sánchez a Frisch/Robles Planas, Desvalorar e Imputar (2005), p. 5. Com razão, o conceito definido (comportamento injusto juridicamente imputável) tem que ser conhecido nos termos em que a definição deveria estar dando a conhecer (comportamento injusto). Trata-se de uma definição meramente circular.

[37] ROBLES PLANAS, Ricardo. Normatividad e imputación objetiva: re
spuesta a la recensión de Feijóo Sánchez a Frisch/Robles Planas, Desvalorar e Imputar (2005), p. 4. BUSTOS RAMIREZ, Juan. Imputación objetiva y bien jurídico, p. 395.

[38] FRISCH, Wolfgang. Comportamiento Típico e Imputación Del Resultado, p. 48 e ss.. No mesmo sentido: BUSTOS RAMIREZ, Juan. Imputación objetiva y bien jurídico, p. 395. Nesse sentido, embora sob uma perspectiva altamente subjetivista: SANCINETTI, Marcelo. Tipos de peligro en las figuras penales, p. 459.

[39] MIR PUIG, Santiago. Significado e alcance da imputação objetiva em direito penal, 191. As considerações feitas por MIR PUIG coincidem, em grande parte, com a tese que aqui se sustenta, não obstante o catedrático espanhol queira incluir no rótulo imputação objetiva questões relacionadas com o juízo de desvalor da conduta, justamente a confusão que pretendemos desfazer. Essa confusão é consideravelmente reduzida quando Puig prossegue na análise dos vários aspectos da imputação objetiva, como se percebe do trecho em epígrafe.

[40] JAKOBS, Günther. La imputación jurídico-penal y las condiciones de vigencia de la norma, p. 187.

[41] BUSTOS RAMIREZ, Juan. Imputación objetiva y bien jurídico, p. 395.

[42] MIR PUIG, Santiago. Significado e alcance da imputação objetiva em direito penal, 191.

[43] MIR PUIG, Santiago. Significado e alcance da imputação objetiva em direito penal, 193.

[44] FRISCH também aponta para o fato de que a transformação da teoria da imputação objetiva em um supercategoria oculta e impede o desenvolvimento das categorias por ela incorporadas, que passam a ser tratados como problemas periféricos de imputação de resultados. FRISCH, Wolfgang. Comportamiento Típico e Imputación Del Resultado, p. 37. Para Roxin, porém, o trabalho levado a cabo por Frisch não tem muita importância no que toca à solução concreta dos problemas. ROXIN, Claus.  Funcionalismo e Imputação Objetiva no Direito Penal, p. 311-312.

[45] ROBLES PLANAS, Ricardo. Normatividad e imputación objetiva: respuesta a la recensión de Feijóo Sánchez a Frisch/Robles Planas, Desvalorar e Imputar (2005), p. 4. FRISCH, Wolfgang. Bien jurídico, derecho, estructura del delito e imputación en el contexto de la legitimación de la pena estatal, p. 328.

[46] FRISCH, Wolfgang. Bien jurídico, derecho, estructura del delito e imputación en el contexto de la legitimación de la pena estatal, p. 330.

[47] GRECO, Luís.  Funcionalismo e Imputação Objetiva no Direito Penal, p. 135-137.

[48] FRISCH, Wolfgang. Comportamiento Típico e Imputación Del Resultado, p. 54-55. ROBLES PLANAS, Ricardo. Normatividad e imputación objetiva: respuesta a la recensión de Feijóo Sánchez a Frisch/Robles Planas, Desvalorar e Imputar (2005), p. 3.

[49] Mir Puig, certamente no afã de estender a incidência das considerações valorativas apropriadas pelA teoria da imputação objetiva aos crimes de mera atividade, designa o primeiro nível de imputação como imputação objetiva em sentido estrito, enquanto o segundo nível de imputação, para nós o único que realmente aporta critérios de imputação, compreenderia a imputação objetiva em sentido amplo. MIR PUIG, Santiago. Significado e alcance da imputação objetiva em direito penal, 198.

[50] SCHULENBURG, Johanna. Relaciones dogmáticas entre bien jurídico, estructura del delito e imputación objetiva, p. 360 SCHULENBURG, Johanna. Relaciones dogmáticas entre bien jurídico, estructura del delito e imputación objetiva, p. 355.

[51]Antiga assistente de cátedra da Universidade de Dresde, Alemanha.

[52] SCHULENBURG, Johanna. Relaciones dogmáticas entre bien jurídico, estructura del delito e imputación objetiva, p. 360.

[53] O legislador alemão tratou o incêndio criminoso com maior rigor, porque não exigiu a concreta colocação em perigo dos bens jurídicos protegidos, embora tenha limitado os objetos sobre os quais incide a conduta – locais destinados à habitação. A diferença básica entre os tipos penais é que no caso alemão não é preciso que haja alguma pessoa no raio de eficácia da ação – alcance do incêndio, bastando a mera possibilidade de que no momento da ação alguém esteja nesses locais, tendo em vista sua finalidade – habitação.

[54] O Código de Processo Penal em seu art. 173 dispõe que, no caso de incêndio, os peritos verificarão a causa e o lugar em que houver começado, o perigo que dele tiver resultado para a vida ou para o patrimônio alheio, a extensão do dano e o seu valor e as demais circunstâncias que interessarem à elucidação do fato. Não fosse o incêndio um resultado, careceria de sentido a realização de perícia.

[55] SCHULENBURG, Johanna. Relaciones dogmáticas entre bien jurídico, estructura del delito e imputación objetiva, p. 360.

[56]Autênticos problemas de imputação objetiva: FRISCH, Wolfgang. Comportamiento Típico e Imputación Del Resultado, p. 65-74. Pensemos no seguinte exemplo, à luz do § 306a do StGB. Um sujeito, querendo vingar-se do vizinho, planeja incendiar sua residência. Nesse intento, aproveitando-se da saída de casa seu desafeto, espalha ao redor da casa uma quantidade razoável de produtos inflamáveis, preparando cuidadosamente o pavio, com um tecido fino envolvido em cera. Ocorre que, no momento em que ateia o fogo, algumas pessoas que passavam pelo local impedem que o pavio seja consumido e o incêndio não ocorre. Imobilizado pelos nobres cidadãos que impediram o incêndio, a polícia é acionada. Infelizmente, ao comparecer no local, um atrapalhado policial efetua um disparo acidental de arma de fogo, atingindo o projétil o local que havia sido alagado com combustível e o maldito incêndio acaba ocorrendo. Nesse caso, o agente deverá ser punido por tentativa. O incêndio não lhe poderá ser imputado, porque o risco criado por sua conduta já tinha sido contido. Na dimensão típica do risco original, não se inclui o incêndio por disparo acidental de arma de fogo. Portanto, sob a perspectiva ex post, o resultado incêndio não poderá ser imputado à sua conduta típica.

Já tendo espalhado os produtos inflamáveis no prédio, ateia fogo no pavio especialmente preparado, mas as chamas são prontamente contidas por algumas pessoas que passavam pelo local e o incêndio acaba não ocorrendo, sendo o detido o incendiário. Ocorre que, acionada, a polícia comparece no local e efetua a prisão do indivíduo, oportunidade em que este, tentando evadir-se do local é alvejado pelos policiais, sendo que um dos tiros atinge o edifício e ocasiona o incêndio..

[57] ROBLES PLANAS, Ricardo. Normatividad e imputación objetiva: respuesta a la recensión de Feijóo Sánchez a Frisch/Robles Planas, Desvalorar e Imputar (2005), p. 12.

[58] FRISCH, Wolfgang. Bien jurídico, derecho, estructura del delito e imputación en el contexto de la legitimación de la pena estatal, p. 330.

[59] FRISCH, Wolfgang. Bien jurídico, derecho, estructura del delito e imputación en el contexto de la legitimación de la pena estatal, p. 328.